João Ferreira do Amaral, economista, diz que o País está a negar a saída do euro tal como adiou o fim da Guerra Colonial... Portugal deve usar fundo da ‘troika’ como ajuda à saída do euro...
Portugal parece encurralado no euro. E agora?
Infelizmente, lutar por outro tipo de políticas e ficar no euro começa a ser uma possibilidade bastante remota. Já passámos o ponto em que o conjunto de políticas excepcionais dentro da zona euro – margem para um apoio mais selectivo aos sectores transaccionáveis, exportadores – possam, nesta fase, fazer alguma diferença. Essas políticas já não serão suficientes para inverter o curso dos acontecimentos.
A opção é sair do euro?
Temos dois cenários. Ou a Zona Euro muda muito a sua forma de funcionar ou então mais cedo ou mais tarde teremos de sair.
Qual o cenário é mais credível?
Apostaria no cenário da saída, numa estratégia de saída. Acho que nos devíamos começar a preparar para isso para, quando acontecer, o fazermos de forma ordenada e com um mínimo de estabilidade.
Podemos fazer isso sozinhos?
Precisaremos de apoio. O custo da saída do euro será brutal. Penso que ainda estamos a tempo de negociar uma saída com apoio comunitário.
Não seria uma tragédia sair?
A situação é comparável, com as devidas distâncias, à Guerra Colonial. Durante a guerra, a única coisa que sabíamos é que ela não era sustentável a prazo, que teria de acabar. A certa altura ainda havia opções: descolonizar, negociar ou simplesmente abandonar. Mas insistiu-se em manter a guerra até tudo apodrecer, até a margem de manobra ser mínima.
Apodrecer é uma palavra forte.
Deixámos apodrecer esta situação e já nos estão a impor juros de 12% que só não estamos a pagar porque temos o crédito da troika. Infelizmente, como o plano que nos impõe não irá dar resultado ao nível do crescimento, significa que mal acabe esse financiamento vamos deparar-nos com taxas de juro dessa magnitude. Isto é como na Guerra Colonial: estamos a deixar apodrecer a situação até constatarmos, daqui a uns 4 ou 5 anos, que a única saída possível é péssima: fazer tudo de forma precipitada, sem qualquer capacidade de controlo. Assim, a saída da união monetária será muito dolorosa.
Haveria desvalorização brutal da economia, dos salários?
Haveria, sobretudo, uma explosão brutal no valor das dívidas, que continuariam em euros e outras moedas estrangeiras.
Que efeitos teria a desvalorização cambial que propõe através da saída do euro?
À medida que se reduz, gradualmente, o valor da moeda, os empresários vão perceber rapidamente que é mais rentável investir em bens e serviços para exportar, o investimento será massivamente dirigido nesse sentido. A captação de investimento directo estrangeiro também daria um salto. Em 1977, fiz parte do grupo técnico que negociou com o FMI. O nosso problema, como hoje, era o défice externo. E havia duas hipóteses: ou reduzem a actividade económica brutalmente, cortando nas importações, ou são menos austeros e compensam com desvalorização cambial, embora importando alguma inflação. Esta última opção não existe. A tese em voga é que a redução do défice só pode ser feita com recessão. O que, aliás, já está a acontecer.
Mas como controlar a saída do euro de que fala?
Fazer com que o financiamento da troika seja utilizado para compensar o aumento das dívidas.
Um cenário repudiado...
De facto, essa discussão não existe. Há um problema político difícil – e também para os grandes, como Alemanha e França. Há a ideia de que se os governos começar a negociar a saída haverá uma pressão imensa sobre os investidores, provocando uma drenagem de capitais e por aí fora. Há esse risco, mas é possível tomar medidas excepcionais contra isso.
Quais?
Um regime de controlo temporário dos movimentos de capitais.
Alguém de peso fala sobre o cenário de saída do euro?
Há uns dias, a chanceler alemã, Angela Merkel, abordou pela primeira vez a questão. Admitiu que uma moeda forte não é boa para todos os países. Não o disse assim, mas ia nesse sentido. Os líderes europeus têm a noção clara de que há sem capacidade de crescer nesta situação. Que a austeridade serve num primeiro momento para ganhar fôlego financeiro, mas que no fim os países serão confrontados com um estrangulamento económico. Que não vão criar riqueza que pague as dívidas.
Mas é melhor esperar pelo que vai acontecer à Grécia?
Sim. O momento da verdade está iminente. A Grécia servirá de cobaia para o que virá a seguir.
A saída de um país não afunda o euro?
A saída tem de ser ordenada, envolvendo tudo e todos. O BCE teria de se a ajudar à sustentação das moedas dos países que saíssem dentro da banda de flutuação. Tal como está, a Zona Euro não tem capacidade de ser estável.
Porquê?
A Alemanha tem um excedente da balança corrente na ordem dos 4% a 5% do PIB. Portanto, a tendência normal da ‘moeda alemã’, digamos assim, vai no sentido da apreciação cambial. Portugal e Grécia, não. Têm défices correntes brutais, logo a tendência será para que as respectivas ‘moedas’ se depreciem. Isto é ingerível. Interesses tão divergentes minam até ao fundo a união monetária.
E prevalece o interesse alemão.
Evidente, dos mais poderosos. A Alemanha beneficia muito do valor global do euro porque é investidora. Não a critico por isso, se fosse alemão pensaria assim. Se a economia vale mais, vai querer investir, comprar barato, controlar mais interesses no estrangeiro.
Como é que o fundo da troika pode ser usado?
Até pode ser menos dinheiro. Admito que seja preciso um empréstimo de 30% do PIB. A nossa saída do euro deve levar a uma depreciação cambial na ordem dos 30%. Daria entre 50 a 60 mil milhões de euros. Ou parte do actual empréstimo seria usado para isso, ou então haveria um novo veículo, com um prazo mais longo. Mas faria, sobretudo, com que a economia tivesse futuro, algo que não encontro no actual desenho de políticas. Como a economia grega também não tem. Um montante deste género não é inexequível. Quase 60 mil milhões chegavam para compensar o aumento das dívidas em moeda nacional.
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