VIVINHA DA COSTA
Sobre duas varinas numa foto de Joshua Benoliel – 1945
A luz do vosso olhar vai empurrar a frente da força da neblina. Por enquanto aguardam na lota o pregão do valor do peixe. Só mais tarde, já com a canastra à cabeça, vão cantar o pregão do preço da sardinha, do carapau ou da pescada. Vivinha da Costa – se for o caso.
Por enquanto o vosso olhar está suspenso. No ferro separador o braço direito da varina da camisa escura apoia o queixo. A varina da camisa branca usa um cordão de ouro igual. Tal como é igual o chapéu onde colocam ambas uma rodilha nova para o armar. Quando saem da lota com a canastra de peixe coberta com um oleado verde, sobem às colinas da cidade e voltam as costas à Ribeira e ao Cais do Sodré. Há quem veja nas canastras a projecção das fragatas, dos varinos e das faluas tal como eu vejo nas rendas das mulheres das praias do Atlântico uma cópia das redes dos pescadores que arriscam a vida na faina da noite.
Aqui ao lado na Avenida 24 de Julho, na última semana de Agosto, passou a procissão da Senhora da Atalaia. Vieram círios de diversos lugares da cidade, passaram com bandeiras e estandartes para seguirem de barco para o Montijo. Na capela da Atalaia os ex-votos pintados de modo ingénuo agradecem à Padroeira a vida salva nos naufrágios do Mar da Palha. Aqui chegam poucas notícias. Sabemos que no Ribatejo e no Alentejo houve em Abril uma série de greves e concentrações de trabalhadores rurais contra a subida dos preços e a escassez de géneros. Tantos anos depois desta foto podemos afirmar: são muito bonitas as duas varinas. Em 1945 o ideal de beleza está em Hermínia Silva, em Amália Rodrigues, nas três irmãs Meireles que cantam na Rádio. São bonitas as varinas e nenhuma delas se preocupou com o fotógrafo nem com a luz do magnésio, no seu esplendor de brevidade.
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