14 fevereiro 2007

"O PROFESSOR MARCELO"

O professor Marcelo parece representar bem o típico português popularmente reconhecido como superletrado e superdotado, conhecedor de todas as ciências, incluindo as ocultas, mas que, na prática, não revelam reais aptidões para deixar marcas de assinaláveis feitos. Para o nosso estimável prestidigitador das noites dominicais da RTP devemos desde já lançar a seu crédito a façanha de ter criado o referendo sobre o aborto que, reconheçamos, é obra de iluminado! (Não venha agora o seu comparsa Guterres, a destempo, usurpar o feito...). Mas sobre o professor Marcelo que, como também é óbvio e intuitivo, nada tem a ver com o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, não resisto a transcrever parte de um texto da excelente jornalista Helena Matos (in Pingue-Pongue, no Público de ontem), com a devida vénia:
"(...) Depois de termos sobrevivido à desilusão de percebermos que a saudade não é um exclusivo nacional, que não existem linces na Malcata e que já nem somos os únicos a cozinhar bacalhau, consola-nos descobrir que temos um novo ícone da singularidade lusa: o professor Marcelo. Como bem se percebe, o professor Marcelo nada tem a ver com o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa. O professor Marcelo não é uma pessoa. É um posto. Os romanos, povo de sentido indiscutivelmente prático - quem senão eles poderia chamar Primeiro, Segundo ou Terceiro aos filhos? -, acharam por bem criar um cargo que, à falta de mais pacífica designação, adquiriu o nome de quem o ocupava. Falo obviamente dos césares. Portugal não é o Império Romano, logo não falamos de césares e pretorianos mas sim do que disse o professor Marcelo, essa espécie de holograma que ora nos narra tudo o que fez nos últimos sete dias - e esse tudo implica pelo menos um concerto na Baviera e uma palestra em terras de Basto, uma aula sobre Direito em Luanda, três pareceres, duas apresentações de livros e um jogo de futebol - ora nos enreda nas voltas e contravoltas do seu raciocínio tão narcísico quanto hiperactivo. Nas palavras do professor Marcelo os crimes não têm pena e o "não" passa a "sim". Mas nada disto importa porque o professor Marcelo usa as palavras como os outros deitam cartas. Mais do que o explicador de Portugal ao povo e às crianças, ele é o grande ilusionista da nação.
O professor Marcelo, que, repito, não tem a ver com o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, foi ministro dos Assuntos Parlamentares e Presidente da Assembleia Municipal de Celorico de Basto. À parte isso também foi líder do PSD e candidato à presidência da CML. Sendo a soma de tudo isto alguma coisa, teremos de reconhecer que currículos destes não são raros, mesmo em Portugal. Raro, raríssimo até, é um homem que, como Marcelo Rebelo de Sousa, falhou em quase tudo no plano executivo, conseguir ocupar tão elevado posto: o de professor Marcelo."
Importa porém referir uma evidência: o professor Marcelo não pretenderá ser mais que o professor Marcelo. Quando muito o Super Professor Marcelo. A nossa grande indigência reside,em boa medida, no culto acéfalo das personalidades mediáticas. E o professor Marcelo, na desmesurada mediatização dos seus solilóquios, contribui para uma maior indigência do pensamento político neste país. E a RTP com estes farsantes solilóquios presta um mau serviço ao país. É serviço público do avesso, cujo objectivo é no mínimo obscuro, ressalvando o interesse lúdico e o bem patente prazer do professor Marcelo, sempre disposto a fazer as suas prédicas em directo nem que seja a partir da Patagónia (com ou sem a submissa partnaire). Quanto custarão aos contribuintes os prazeres e outros eventuais interesses do cavalheiro, incluindo os de carácter político-partidário? (O professor Marcelo parece que "flutua" acima de tudo e de todos, mas essa é a sua verdadeira faceta de ilusionista...)

2 comentários:

Anónimo disse...

É assim mesmo. Até que enfim vejo alguém por aí a dizer algumas verdades incovenientes (para muitos). A tua posta faz-me lembrar estes dois versos de Brecht no poema "Dificuldade de governar": "E só porque toda a gente é tão estúpida/
Que há necessidade de alguns tão inteligentes."
Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)

Anónimo disse...

Este post faz-me invocar BERNARDO SOARES..."Desejaria construir um código de inércia para os superiores nas sociedades modernas(...)Acreditem que (eles) é a única cousa que a prejudica. Pena é que a expulsão dos superiores da sociedade resultaria em eles morrerem, porque não sabem trabalhar. Cada superior que se manifestasse na sociedade seria expulso para uma ilha [...]dos superiores. Os superiores seriam alimentados, como animais em jaula, pela sociedade normal.[...]As criaturas (como MARCELO) fazem sofrer os outros por simpatia. Por isso (MARCELO) devia reduzir ao mínimo a sua participação na vida da tribo. Enjaulado...