
Em tempos, para um debate televisivo, elaborei uma lista de críticas ao Governo. O debate ficou-se por generalidades e a lista foi para a gaveta. É uma boa altura para a recuperar, agora que se inicia um novo ciclo. Uma das primeiras críticas que nela figuravam foi muito falada nos últimos dias: a ausência de paridade na composição do Executivo de um partido que fez bandeira da lei do mesmo nome. É no mínimo pouco entendível que se estabeleça um critério para o Parlamento e outro para o Governo. Não vale dizer que "não há mulheres" - essa era exactamente a desculpa dos que se opuseram à lei. (Soube-se entretanto que há cinco ministras entre 16 no novo Executivo. Melhor, mas ainda longe do bom.)
*
A segunda crítica prende-se com o chamado "Novo Regime do Arrendamento Urbano", que não só não resolve qualquer dos problemas pre existentes como lhes acrescenta perversidades. Faz depender o aumento da renda, qualquer que seja o seu valor, do estado do imóvel - ignorando o facto óbvio de que na maioria dos casos os imóveis se degradaram devido a décadas de rendas miseráveis -; obriga a uma avaliação paga que, esperteza, actualiza o valor do imóvel e portanto o imposto a pagar; estabelece que, caso o inquilino tenha mais de 65 anos, os aumentos são, qualquer que seja o seu rendimento, diluídos ao longo de dez anos. Resultado? A generalidade dos senhorios nem tenta aumentar as rendas e o parque habitacional prossegue a sua alegre degradação. Acresce que continua a ser um inferno despejar quem não paga a renda, o que desincentiva o arrendamento.
*
A terceira tem a ver com a legislação do subsídio de desemprego. Não só é tão difícil de entender que cada funcionário da Segurança Social faz a sua leitura, como transforma os beneficiários do subsídio em panhonhas ou em burlões compulsivos. Uma lei que impede um desempregado de passar recibos verdes, seja qual for o valor, sob pena de perder o subsídio e que só permite que este trabalhe "a tempo parcial" com contrato é uma lei que vive noutro mundo. E, claro, há a eterna questão dos "empregados de recibo verde". O Governo cessante alegava que em todo o mundo não há solução para isso. Certo é que essas pessoas pagam impostos e Segurança Social. Será impossível criar um novo escalão de descontos para os que quiserem ter acesso a subsídio de desemprego, com um tempo mínimo de prestações para que esse acesso se efective? E é disparatado propor um sistema em que os beneficiários do subsídio possam trabalhar a recibo declarando o que recebem (ao invés de, como tanto sucede, porem outros a fazê-lo) e descontando no subsídio recebido uma parte do que auferiram? Não ganharia toda a gente com isso - o Estado porque poupa e o desempregado porque trabalha?
*
A última crítica, e só é a última porque falta espaço, diz respeito à laicidade do Estado. O Governo cessante mostrou tibieza nesta matéria, tanto quanto aos crucifixos nas escolas (afirmando que a escola é laica mas que os símbolos religiosos só saem "a pedido") como à assistência religiosa nas estruturas de segregação - hospitais, prisões, quartéis. Talvez tenha achado que se trata de questões menores. Se assim é, aliena tanto os laicos como os crentes - e nunca é demais lembrar que não os há só católicos.
Todos ficamos à espera que o DN seja mais generoso e dê espaço para a Fernanda desopilar à vontade.