AFINAL DEMITIU-SE. - OU FOI DEMITIDO?
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Afinal o Professor abandonou o Governo por sua iniciativa ou foi o Sócrates que lhe passou a guia de marcha? A extensa enrevista ao professor pelo Correio da Manhã, a qual, abaixo reproduzimos na íntegra , não ajuda muito à nossa curiosidade mas permite-nos concluir, com alguma certeza, que Campos e Cunha não deixou de ser Sr.Ministro por sua vontade... Nem os tratos de polé dos esquisitos do bloco de esquerda, por causa da taluda pensão do B.Portugal, ao contrário do que se dizia, poderia ter influenciado, minimamente, a decisão de quem resolveu mandar o académico dar aulas aos futuros grandes economistas portugueses. Só!! O senhor não se ajeitava nada para a coisa e Sócrates demitiu-o de mansinho. Claro, foi para a SEDES...
A ENTREVISTA
Correio da Manhã/Rádio Clube – Arrependeu-se de ser ministro?
Campos e Cunha – Já me fizeram essa pergunta uma vez. É evidente que se eu soubesse que teria de sair passado pouco tempo não teria aceite, naturalmente. O País precisa de estabilidade e em particular o ministro das Finanças é para estar uma legislatura. Quando eu entrei, entrei para estar quatro anos.
ARF – Exacto.
- Mas entrei com a disposição de que se fosse necessário só estaria quatro meses. Foi necessário, estive quatro meses.
LO – Só lhe fizeram uma vez a pergunta?
- Não me recordo bem, mas pelo menos uma. Pelo menos uma.
LO – Mas de qualquer maneira, quando se aceita, e sobretudo um cargo como ministro das Finanças é natural que se tenha a expectativa de ficar quatro meses?
- Não, claro que não. Eu estava na expectativa eu aceitei, como disse, na expectativa de que iria estar quatro anos. Mas tem que se estar na disposição, tem que se ter um desprendimento. Quem está na política deve ter um desprendimento muito grande. A minha vida, a minha profissão, a minha carreira não é a política. E portanto eu tenho um total desprendimento. Eu estive seis anos no banco central como vice-governador, passei momentos difíceis, foram momentos de muito trabalho.
LO - E resistiu.
- Resisti, obviamente. Mas a situação também seria diferente. Mas de qualquer forma, fi-lo com gosto e com orgulho e no período em que lá estive a trabalhar penso ter feito uma contribuição importante para o conjunto de actividades que o banco desempenha e, em particular, a entrada de Portugal na moeda única. Eu entrei três anos antes da moeda única, ainda o euro não se chamava euro, chamava-se apenas moeda única e saí de lá um mês depois de termos trocado os escudos por euros na rua.
LO – E já estava a sua missão cumprida.
- A minha missão estava cumprida. Eu estaria disposto a continuar, foi uma decisão política e a decisão política da altura foi não ser reconduzido.
LO – A pergunta que não lhe fizeram ainda: Ok, ao fim de quatro meses sair do Governo, mas ao fim de quanto tempo depois de ter entrado percebeu que não ia dar?
- Eu olhando para trás...
LO – Um mês, um mês e meio?
- Olhando para trás penso que já havia sinais muito cedo. Evidentemente que uma pessoa, quando está no meio do turbilhão, não tem consciência e tem muita dificuldade em analisar as árvores e procura ver na floresta. Mas isso são águas passadas.
ARF – Mas a ruptura acontece por causa das grandes obras públicas. No célebre artigo no Público em que diz de forma muito clara que estava contra alguns empreendimentos públicos.
LO – Ao fim de três anos continua exactamente a mesma agenda política.
- Julgo que apesar de tudo não vejo exactamente a mesma agenda. Eu hoje vejo uma grande discussão à volta das grandes obras públicas, coisa que não havia na altura. Na altura os jornais, toda a comunicação social tecia os maiores elogios à capacidade de empreendimento do Governo, de realização, de determinação, e portanto os grandes projectos foram todos eles muito bem recebidos pela opinião pública em geral, contrariamente ao que seria de esperar. Não houve perguntas. No meu artigo a única coisa que eu dizia é que todos os projectos, grandes e pequenos, mas em particular os grandes, que põem mais em causa a saúde do País, devem ser analisados e ser feita uma análise de custo/benefício. Mesmo assim muitas vezes erramos.
ARF – Há uma coisa que as pessoas não perceberam. Fez esse artigo no Público porque não era ouvido no Governo?
- Não quero falar disso. Estou disposto a falar dos grandes projectos mas sobre isso não. Já passaram três anos. Já é história.
LO – Apesar das águas não passarem duas vezes sob a mesma ponte como é que estaria o País se não tivesse saído do Governo?
- Não sei. Como se recordará, na altura aprovámos um programa de estabilidade e crescimento, a meio do ano. Era, no fundo, uma espécie de grande programa económico e financeiro. Nesse contexto introduziram-se um conjunto amplo de medidas e eu estava no centro, como deve imaginar, por inerência de funções, desse programa. O programa de estabilidade era a parte mais dura da questão e mais financeira em que houve um aumento de impostos, congelamento de progressões automáticas. Foram um conjunto de medidas do lado da despesa e do lado da receita muito importantes. Nesse ano já se podia fazer pouco do lado da despesa, porque estávamos em Junho. Havia o Orçamento Rectificativo, mas basicamente era pôr um pouco de verdade nas contas. Houve medidas que tinham efeitos imediatos, como é o caso do aumento do IVA, mas, de facto, o grande impacto dessas medidas foram em 2006. E se olhar para 2006 há uma quebra muito substancial e muito dramática do défice orçamental. Diminui a despesa primária, a despesa primária em percentagem do PIB caiu substancialmente. Esse programa tinha uma segunda fase, que apenas era lá indicada, não era tão detalhada. Tinha a ver com a reforma da administração pública e uma redução da despesa pública.
LO – Essa segunda fase não foi concretizada?
- Essa segunda fase não se materializou. Em 2007 a despesa pública ainda cai, mas já cai pouco, em 2008 a despesa pública primária está a subir, subiu, e em 2009 voltava a subir substancialmente. Aliás, os dados do Orçamento de Estado com o cenário macroeconómico do Governo apresentado em Outubro do ano passado, do Orçamento que está neste momento em vigor, a despesa pública em 2009, com o cenário do Governo, com os dados do Governo ia para níveis que eram semelhantes aos de 2005.
ARF – Semelhantes aos de 2005?
- Aos de 2005. O que significava um aumento muito grande da despesa pública em percentagem do PIB. E não está cá pacote anti-crise nenhum.
LO – Há uma perda de oportunidade.
- Eu julgo que sim. Foi o que disse a Standard & Poor’s agora, que pôs o rating português com um aviso negativo. Na prática já é para os mercados uma redução do rating da República. Enquanto a redução anterior, que já se materializou no meu tempo, embora tenha vindo de trás, era resultado de uma situação herdada, mas esta já é da responsabilidade deste Governo.
ARF – No documento que a SEDES fez em Julho de 2008 já se dizia que o Governo estava a pensar nas eleições de 2009. Um documento muito atacado pelo Governo.
- Foi mais as pessoas do que o documento. Mas de qualquer forma foi de facto um documento que teve um grande impacto na comunicação social e na opinião pública. Mas infelizmente atacam-se as pessoas e não as ideias.
ARF – Disseram que o professor ainda estava despeitado e outras coisas.
- Pois. Curiosamente o documento foi organizado de uma forma muito participada e procurámos até exemplificar com dois ou três aspectos. A Educação, a Saúde e o mercado de trabalho. Eram três áreas em que achávamos que havia claramente um retrocesso, uma paragem, expectativas que não eram cumpridas. Enfim, são três áreas muito importantes para o País, para o desenvolvimento económico do País a prazo. Nada disso foi discutido quando saiu o documento.
LO – Também acha que os Governos governam meio tempo e no outro preparam a sua reeleição?
- Nenhum sistema é perfeito e preparar-se para eleições é uma coisa que acontece em todos os países democráticos. O papel da sociedade civil é tentar penalizar esse tipo de comportamentos. Chamando à atenção que o comportamento está a ser eleitoralista. Isso faz parte do jogo democrático e nós estamos a jogar o jogo democrático pleno e aberto. Nós reconhecemos que um sistema democrático tem esse problema, como é evidente, em todos os países do mundo. Se nós tivermos uma opinião pública avisada e uma opinião pública mais informada, digamos que podemos minimizar os aspectos menos positivos do sistema, como seja os Governos estarem a preparar as eleições, especialmente com um grande período de antecedência. Ao menos que seja um mês antes ou dois meses antes e não um ano e meio antes.
ARF – Esta crise, que afecta o mundo, o País e os portugueses foi percebida pelo Governo muito tarde? Já se estava a desenhar há muito tempo nos EUA e aqui em Portugal ainda se fez um Orçamento de Estado com dados macroeconómicos completamente desfasados da realidade. O Governo percebeu tarde a crise ou não quis dizer aos portugueses que havia crise?
- Essa resposta exacta só os próprios a podem dar. Se não tinham percebido ou se pura e simplesmente estavam a tentar ocultar. É um bocadinho difícil pensar que as autoridades não perceberam. Porque nos mercados internacionais, nas grandes instituições já havia previsões e pelo menos alguns palpites claros de que 2009 seria um ano muito severo, provavelmente os finais de 2008 seriam já bastante maus. Já se falava de deflação, já se falava de recessão, a dúvida é saber se vamos entrar numa recessão ou numa depressão. Isso já eram discussões que estavam em cima da mesa.
LO – Do ponto de vista psicológico já estamos deprimidos.
- Cerca de um mês depois The Economist já tinha uma previsão de menos um por cento para 2009 para Portugal. Em princípios de Dezembro. Dois meses depois já tinha menos um por cento, ora menos um por cento em 2009 para os 0,6 que o Governo prometia vai uma diferença abissal. E o Governo tem certamente muito mais informação do que tem The Economist. Houve uma gigantesca operação de ocultação da crise. Mas mais grave do que 2009 é 2008. Porque 2008, em Oandava à volta de 0,7, 0,8.
ARF utubro, já se sabia o primeiro semestre. E o crescimento do primeiro semestre – Exacto.
- Toda a gente já sabia, já havia muitos indicadores sobre o terceiro trimestre. E toda a gente percebia que o terceiro e o quarto trimestres seriam substancialmente piores do que o primeiro semestre. O que significa que com o crescimento homólogo do primeiro semestre à volta dos 0,8 obviamente que o segundo daria uma taxa de crescimento em 2008 substancialmente mais baixa do que os 0,8. Uma parte disto já estava na mesa. Dizer que o segundo semestre seria substancialmente pior do que o primeiro qualquer pessoa, não é preciso ser economista, percebia que isso ia acontecer. E basicamente o Governo veio dizer é que o segundo semestre ia ser melhor ou semelhante ao primeiro. E isso obviamente não era verdade.
ARF – É uma situação grave?
- Foi grave porque foi um sinal brutal de descrédito. E depois é importante que as pessoas acreditem no Governo do País. O Governo deve ser o mais cauteloso de todos os intervenientes, deve ter as previsões mais baixas que estão no mercado.
ARF – Deve ser mais cauteloso.
- Na dúvida deve ser o mais conservador nas suas previsões. Dentro de um realismo mínimo. Porque assim temos mais surpresas positivas do que negativas. Mesmo assim a vida prega-nos partidas. É muito importante que tudo isto seja feito com uma grande transparência, nunca perder a oportunidade de explicar um número, para responder a um problema, até para que as pessoas, que têm uma intuição de como a economia está a evoluir, não sintam que os seus governantes estão completamente desfasados do dia a dia.
ARF – Não falam verdade.
- A grande vantagem do que veio dizer o governador do Banco de Portugal é que provavelmente no final de 2008 já estávamos em recessão e este ano vamos ter recessão. Uma recessão que será significativa. A previsão é de menos 0,8, mas todos os sinais apontam para um valor pior. Pela primeira vez uma autoridade veio dizer aquilo que em certo sentido a maior parte dos portugueses já sentia.
LO - O senhor é um grande defensor de Vítor Constâncio numa altura em que o Governador do Banco de Portugal é fortemente atacado. Porquê?
- Conheço bem o doutor Vítor Constâncio, trabalhei com ele, admiro o seu patriotismo, é uma pessoa que está sempre a pensar nos portugueses e é uma figura com grande prestígio internacional.
ARF – Mas os casos do BCP, BPN e BPOP não abalaram o seu papel de supervisor?
- Não há País nenhum da Europa em que casos destes, nos últimos meses, não tenham acontecido. Nenhum. No mesmo dia em que o BPN e depois o BPP houve um banco austríaco que também teve um destino semelhante. Na França existiram vários casos, na Alemanha existiram vários casos, com tonalidades diferentes aqui e acolá, mas em todos os países da União Europeia houve problemas. E a reacção dos portugueses foi voltar-se contra o bombeiro ou contra o polícia em vez de se voltar contra o ladrão. E isso é único. Eu julgo que isso é único por uma razão muito simples.
LO – Isso é ser português.
- Isso não é ser português. Julgo que isso é a situação em que estamos a viver. Nós estamos a viver, e os senhores são da Comunicação Social, mas nem todas as universidades cumprem e também nem todos os jornais ou rádios cumprem. E a verdade é que nós estamos a viver uma situação do ponto de vista político muito complicada. Porque se olhar à sua volta e se comparar a classe política hoje, de todos os partidos, aqui não é uma questão partidária é uma preocupação de regime. Se olharmos para a situação actual e compararmos as pessoas que estão a ocupar diversos lugares hoje com o que era há quinze ou vinte anos atrás, ou se quiser ir à Assembleia Constituinte ainda tem um choque maior, e de facto há uma degradação da qualidade dos gestores da coisa pública. Há evidentemente honrosas excepções, mas em média a qualidade das pessoas que estão na política decaiu muito nos últimos anos. Isto é gravíssimo. São pessoas que estão a gerir metade do que nós ganhamos, grosso modo. Metade do nós ganhamos é gerido pelo Estado.
LO – O que é que se pode fazer para alterar a situação?
- Deixe-me só acabar. E portanto esta combinação de uma Justiça que não funciona, uma Comunicação Social, não direi integralmente mas muito dominada por sensacionalismos, leva a uma má qualidade da classe política, em média, há honrosas excepções, tanto na Comunicação Social como na classe política, a verdade é que isto leva a uma situação explosiva. O sistema odeia pessoas integras, honestas e capazes. E portanto é preciso acabar com elas. E é isso que nós estamos a assistir. O caso do doutor Vítor Constâncio, é o caso do doutor Manuel Sebastião, por exemplo, é preciso acabar com estas pessoas dentro do regime. Estas pessoas são incómodas e portanto a melhor maneira é atirar lama para cima delas. De uma maneira ou de outra. E eu estou a assistir a isto com muita preocupação. Já não são propriamente cargos de nomeação política, mas são pessoas que estão ao serviço da causa pública. E isso é muito importante nós termos capacidade de atrair os melhores. E se as pessoas ou porque compram um carro ou porque almoçam num restaurante são imediatamente postas e enxovalhadas num jornal ou numa rádio pensam duas vezes antes de irem para esses lugares. E isso normalmente acontece com os melhores, com as pessoas mais independentes, com as pessoas que não fazem dessa posição a sua carreira.
LO- Aliás aconteceu logo consigo quando foi conhecida a sua nomeação para ministro das Finanças por causa da pensão do Banco de Portugal.
- Não foi logo. Mas é que é muito mais grave. Não foi logo. Foi muito mais tarde. Eu fui dos primeiros a apresentar a minha declaração de rendimentos, estava lá tudo, não fui tido nem achado sobre o assunto, a regra de aposentação já existia. Ao contrário do que foi insinuado, não foi dito, foi insinuado, que tinha sido o próprio conselho a dar a si próprio. Mentira, foi o ministro da altura, que infelizmente já faleceu, e quem de facto me deu foi a doutora Manuela Ferreira Leite não me reconduzindo. E aquilo foi instituído em substituição de uma outra anterior. Um mês e meio depois de estar noticiado e de estar público é que vieram os ataques. Não foi por acaso. Eu estou apenas a partilhar convosco uma grande responsabilidade que todos nós temos na sociedade portuguesa. E a Comunicação Social tem uma grande responsabilidade nisso.
ARF – Não queimar os melhores?
- É importante as pessoas perceberem que é preciso termos os melhores na gestão da coisa pública e para isso não se podem atacá-los por coisas acessórias e muitas vezes histórias mal contadas.
ARF – Neste processo todo dos bancos, o engenheiro João Cravinho dizia que os paraísos fiscais, as off-shores são de facto um bom instrumento para os malfeitores do sistema financeiro. Qual é a sua posição sobre isso?
- Os off-shores não tiveram um papel fundamental na crise actual. A crise actual é uma coisa diferente e não convém confundir as coisas. Ou não percebemos nada. Os off-shores foram criados curiosamente pelos ingleses e pelos americanos, que agora se sentem muito pudicamente ofendidos com a existência deles. E depois os outros países foram forçados a terem-nos também. É algo que tem de ser banido, do meu ponto de vista, e deve ser fechado, mas não é algo que não esteja na capacidade do nosso Governo ou de outro qualquer. Mas se eu pudesse carregar num botão e todos os off-shores desaparecessem, evidentemente que eu não hesitava um segundo em fazê-lo.
ARF – Como é que vê a actuação do Governo perante esta crise? Apoios ao sector automóvel, muito dinheiro para cima da crise, obras públicas, grandes investimentos. Como é que vê isto tudo?
- Penso que o Governo, porque não quis reconhecer que nós poderíamos ter recessão, tem tirado coelhos da cartola. De vez em quando há um debate parlamentar e saca mais três medidas e depois há outro debate parlamentar sobre outro assunto e saca mais méis dúzia de medidas. Tudo muito desgarrado e não se percebendo a lógica interna. O que se sabe é que é mais despesa pública e mais nada. E sem se perceber qual é o cenário com que está a trabalhar, qual é a metodologia, qual é o programa, qual é o pacote, digamos. Isso transpareceu na opinião pública.
ARF – Tudo muito de forma anárquica.
- Não gosto de intervenções em sectores. Porque é que um burocrata do Terreiro do Paço, com que direito é que está a defender um sector contra outro? Porque é que há-de ser o sector automóvel e não há-de ser o turismo? E porque é que há-de ser o turismo e não os têxteis? É preferível ter intervenções de apoio que sejam neutras entre sectores. Porque eu não tenho razão nenhuma para pensar que o burocrata que está no Terreiro do Paço tenha capacidade para isso.
ARF – Mas que intervenção defende?
- Primeiro há a intervenção do lado da despesa e a intervenção do lado da receita no Orçamento. Eu julgo que não deve haver cortes de impostos para ricos, não deve haver cortes de impostos permanentes nem generalizados. Mas vejo do lado da receita do Orçamento dois tipos de intervenção que podiam ser positivos. Um seria dar à classe média um pequeno desconto no IRS. E isso pode ser feito amanhã. É muito rápido e fácil de implementar. De um mês para o outro pode ser implementado porque há as retenções na fonte e é deduzido logo ali. A Espanha fez isso. E a classe média, média baixa vai sofrer particularmente com esta crise.
ARF – E as empresas?
- Ainda do lado das receitas do Estado julgo que é importante a redução temporária da taxa social única. Isso reduziria os custos do trabalho para a empresa e teria algum impacto na evolução do desemprego.
ARF – E no lado da despesa?
- Já dei sugestões concretas. Por exemplo, a ideia das obras nas escolas ou nos hospitais. Tudo o que seja grandes obras públicas acho má ideia por uma razão muito simples.
ARF – É óbvio que TGV e aeroporto nunca?
- Eu TGV nunca. Aeroporto, se é aquele ou outro, tenho dúvidas.
- O programa para combater a crise deve assentar em pequenos projectos, muitos, disseminados no País. E devíamos nestes pequenos projectos perspectivar já o futuro. O que é que o País quer ser, como é que o País quer ser visto cá dentro e lá fora quando acabar a crise.
ARF – Essa visão estratégica não existe. Não existe hoje como não existiu ontem.
- Eu julgo que não, mas é pena.
LO – Porque é que, no meio disto tudo, José Sócrates está á beira de uma nova maioria absoluta?
- É preciso haver uma alternativa. E é muito difícil entrar um novo partido no sistema político português. É uma área em que a concorrência está muito fechada. O que leva os que lá estão a acomodar-se, porque sabem que mais tarde ou mais cedo o partido da alternância vai chegar ao poder. É apenas deixá-lo cair. Se não é agora é daqui a quatro anos. Nós estamos a ver é que, de facto, não há alternativas. Quando o PS está no poder a alternativa é o PSD.
LO – E Pedro Passos Coelho? É uma aposta?
- Pedro Passos Coelho, li as entrevistas dele, pode ser que venha a ser uma alternativa e é bom que haja caras novas na política, pareceu-me ainda imaturo.
ARF – O Estado está mesmo a asfixiar a sociedade? Mais ainda com esta crise?
- Esse é um risco que podemos correr. Daí eu estar a chamar a atenção que os apoios à economia não deviam ser fruto de uma decisão arbitrária do Terreiro do Paço, mas devia ser através de regras gerais e transparentes, em que todas as empresas deviam ter acesso.
PERFIL
Luís Manuel Moreira Campos e Cunha nasceu em 1954, licenciou-se em Economia pela Universidade Católica Portuguesa em 1977 e em 1985 terminou o doutoramento em Economia pela Columbia University de Nova Iorque com uma tese sobre economia internacional. Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa desde 1985, foi também docente da Universidade Católica.
Director da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, foi vice-governador do Banco de Portugal entre 1996 e 2002, altura em que Manuela Ferreira Leite não o reconduziu no cargo. Convidado por José Sócrates para ministro de Estado e das Finanças do actual Governo socialista, apresentou a sua demissão quatro meses depois por não concordar com o programa de grandes obras públicas, nomeadamente o TGV e o aeroporto.
António Ribeiro Ferreira, Correio da Manhã, Luís Osório, Rádio Clube
Campos e Cunha – Já me fizeram essa pergunta uma vez. É evidente que se eu soubesse que teria de sair passado pouco tempo não teria aceite, naturalmente. O País precisa de estabilidade e em particular o ministro das Finanças é para estar uma legislatura. Quando eu entrei, entrei para estar quatro anos.
ARF – Exacto.
- Mas entrei com a disposição de que se fosse necessário só estaria quatro meses. Foi necessário, estive quatro meses.
LO – Só lhe fizeram uma vez a pergunta?
- Não me recordo bem, mas pelo menos uma. Pelo menos uma.
LO – Mas de qualquer maneira, quando se aceita, e sobretudo um cargo como ministro das Finanças é natural que se tenha a expectativa de ficar quatro meses?
- Não, claro que não. Eu estava na expectativa eu aceitei, como disse, na expectativa de que iria estar quatro anos. Mas tem que se estar na disposição, tem que se ter um desprendimento. Quem está na política deve ter um desprendimento muito grande. A minha vida, a minha profissão, a minha carreira não é a política. E portanto eu tenho um total desprendimento. Eu estive seis anos no banco central como vice-governador, passei momentos difíceis, foram momentos de muito trabalho.
LO - E resistiu.
- Resisti, obviamente. Mas a situação também seria diferente. Mas de qualquer forma, fi-lo com gosto e com orgulho e no período em que lá estive a trabalhar penso ter feito uma contribuição importante para o conjunto de actividades que o banco desempenha e, em particular, a entrada de Portugal na moeda única. Eu entrei três anos antes da moeda única, ainda o euro não se chamava euro, chamava-se apenas moeda única e saí de lá um mês depois de termos trocado os escudos por euros na rua.
LO – E já estava a sua missão cumprida.
- A minha missão estava cumprida. Eu estaria disposto a continuar, foi uma decisão política e a decisão política da altura foi não ser reconduzido.
LO – A pergunta que não lhe fizeram ainda: Ok, ao fim de quatro meses sair do Governo, mas ao fim de quanto tempo depois de ter entrado percebeu que não ia dar?
- Eu olhando para trás...
LO – Um mês, um mês e meio?
- Olhando para trás penso que já havia sinais muito cedo. Evidentemente que uma pessoa, quando está no meio do turbilhão, não tem consciência e tem muita dificuldade em analisar as árvores e procura ver na floresta. Mas isso são águas passadas.
ARF – Mas a ruptura acontece por causa das grandes obras públicas. No célebre artigo no Público em que diz de forma muito clara que estava contra alguns empreendimentos públicos.
LO – Ao fim de três anos continua exactamente a mesma agenda política.
- Julgo que apesar de tudo não vejo exactamente a mesma agenda. Eu hoje vejo uma grande discussão à volta das grandes obras públicas, coisa que não havia na altura. Na altura os jornais, toda a comunicação social tecia os maiores elogios à capacidade de empreendimento do Governo, de realização, de determinação, e portanto os grandes projectos foram todos eles muito bem recebidos pela opinião pública em geral, contrariamente ao que seria de esperar. Não houve perguntas. No meu artigo a única coisa que eu dizia é que todos os projectos, grandes e pequenos, mas em particular os grandes, que põem mais em causa a saúde do País, devem ser analisados e ser feita uma análise de custo/benefício. Mesmo assim muitas vezes erramos.
ARF – Há uma coisa que as pessoas não perceberam. Fez esse artigo no Público porque não era ouvido no Governo?
- Não quero falar disso. Estou disposto a falar dos grandes projectos mas sobre isso não. Já passaram três anos. Já é história.
LO – Apesar das águas não passarem duas vezes sob a mesma ponte como é que estaria o País se não tivesse saído do Governo?
- Não sei. Como se recordará, na altura aprovámos um programa de estabilidade e crescimento, a meio do ano. Era, no fundo, uma espécie de grande programa económico e financeiro. Nesse contexto introduziram-se um conjunto amplo de medidas e eu estava no centro, como deve imaginar, por inerência de funções, desse programa. O programa de estabilidade era a parte mais dura da questão e mais financeira em que houve um aumento de impostos, congelamento de progressões automáticas. Foram um conjunto de medidas do lado da despesa e do lado da receita muito importantes. Nesse ano já se podia fazer pouco do lado da despesa, porque estávamos em Junho. Havia o Orçamento Rectificativo, mas basicamente era pôr um pouco de verdade nas contas. Houve medidas que tinham efeitos imediatos, como é o caso do aumento do IVA, mas, de facto, o grande impacto dessas medidas foram em 2006. E se olhar para 2006 há uma quebra muito substancial e muito dramática do défice orçamental. Diminui a despesa primária, a despesa primária em percentagem do PIB caiu substancialmente. Esse programa tinha uma segunda fase, que apenas era lá indicada, não era tão detalhada. Tinha a ver com a reforma da administração pública e uma redução da despesa pública.
LO – Essa segunda fase não foi concretizada?
- Essa segunda fase não se materializou. Em 2007 a despesa pública ainda cai, mas já cai pouco, em 2008 a despesa pública primária está a subir, subiu, e em 2009 voltava a subir substancialmente. Aliás, os dados do Orçamento de Estado com o cenário macroeconómico do Governo apresentado em Outubro do ano passado, do Orçamento que está neste momento em vigor, a despesa pública em 2009, com o cenário do Governo, com os dados do Governo ia para níveis que eram semelhantes aos de 2005.
ARF – Semelhantes aos de 2005?
- Aos de 2005. O que significava um aumento muito grande da despesa pública em percentagem do PIB. E não está cá pacote anti-crise nenhum.
LO – Há uma perda de oportunidade.
- Eu julgo que sim. Foi o que disse a Standard & Poor’s agora, que pôs o rating português com um aviso negativo. Na prática já é para os mercados uma redução do rating da República. Enquanto a redução anterior, que já se materializou no meu tempo, embora tenha vindo de trás, era resultado de uma situação herdada, mas esta já é da responsabilidade deste Governo.
ARF – No documento que a SEDES fez em Julho de 2008 já se dizia que o Governo estava a pensar nas eleições de 2009. Um documento muito atacado pelo Governo.
- Foi mais as pessoas do que o documento. Mas de qualquer forma foi de facto um documento que teve um grande impacto na comunicação social e na opinião pública. Mas infelizmente atacam-se as pessoas e não as ideias.
ARF – Disseram que o professor ainda estava despeitado e outras coisas.
- Pois. Curiosamente o documento foi organizado de uma forma muito participada e procurámos até exemplificar com dois ou três aspectos. A Educação, a Saúde e o mercado de trabalho. Eram três áreas em que achávamos que havia claramente um retrocesso, uma paragem, expectativas que não eram cumpridas. Enfim, são três áreas muito importantes para o País, para o desenvolvimento económico do País a prazo. Nada disso foi discutido quando saiu o documento.
LO – Também acha que os Governos governam meio tempo e no outro preparam a sua reeleição?
- Nenhum sistema é perfeito e preparar-se para eleições é uma coisa que acontece em todos os países democráticos. O papel da sociedade civil é tentar penalizar esse tipo de comportamentos. Chamando à atenção que o comportamento está a ser eleitoralista. Isso faz parte do jogo democrático e nós estamos a jogar o jogo democrático pleno e aberto. Nós reconhecemos que um sistema democrático tem esse problema, como é evidente, em todos os países do mundo. Se nós tivermos uma opinião pública avisada e uma opinião pública mais informada, digamos que podemos minimizar os aspectos menos positivos do sistema, como seja os Governos estarem a preparar as eleições, especialmente com um grande período de antecedência. Ao menos que seja um mês antes ou dois meses antes e não um ano e meio antes.
ARF – Esta crise, que afecta o mundo, o País e os portugueses foi percebida pelo Governo muito tarde? Já se estava a desenhar há muito tempo nos EUA e aqui em Portugal ainda se fez um Orçamento de Estado com dados macroeconómicos completamente desfasados da realidade. O Governo percebeu tarde a crise ou não quis dizer aos portugueses que havia crise?
- Essa resposta exacta só os próprios a podem dar. Se não tinham percebido ou se pura e simplesmente estavam a tentar ocultar. É um bocadinho difícil pensar que as autoridades não perceberam. Porque nos mercados internacionais, nas grandes instituições já havia previsões e pelo menos alguns palpites claros de que 2009 seria um ano muito severo, provavelmente os finais de 2008 seriam já bastante maus. Já se falava de deflação, já se falava de recessão, a dúvida é saber se vamos entrar numa recessão ou numa depressão. Isso já eram discussões que estavam em cima da mesa.
LO – Do ponto de vista psicológico já estamos deprimidos.
- Cerca de um mês depois The Economist já tinha uma previsão de menos um por cento para 2009 para Portugal. Em princípios de Dezembro. Dois meses depois já tinha menos um por cento, ora menos um por cento em 2009 para os 0,6 que o Governo prometia vai uma diferença abissal. E o Governo tem certamente muito mais informação do que tem The Economist. Houve uma gigantesca operação de ocultação da crise. Mas mais grave do que 2009 é 2008. Porque 2008, em Oandava à volta de 0,7, 0,8.
ARF utubro, já se sabia o primeiro semestre. E o crescimento do primeiro semestre – Exacto.
- Toda a gente já sabia, já havia muitos indicadores sobre o terceiro trimestre. E toda a gente percebia que o terceiro e o quarto trimestres seriam substancialmente piores do que o primeiro semestre. O que significa que com o crescimento homólogo do primeiro semestre à volta dos 0,8 obviamente que o segundo daria uma taxa de crescimento em 2008 substancialmente mais baixa do que os 0,8. Uma parte disto já estava na mesa. Dizer que o segundo semestre seria substancialmente pior do que o primeiro qualquer pessoa, não é preciso ser economista, percebia que isso ia acontecer. E basicamente o Governo veio dizer é que o segundo semestre ia ser melhor ou semelhante ao primeiro. E isso obviamente não era verdade.
ARF – É uma situação grave?
- Foi grave porque foi um sinal brutal de descrédito. E depois é importante que as pessoas acreditem no Governo do País. O Governo deve ser o mais cauteloso de todos os intervenientes, deve ter as previsões mais baixas que estão no mercado.
ARF – Deve ser mais cauteloso.
- Na dúvida deve ser o mais conservador nas suas previsões. Dentro de um realismo mínimo. Porque assim temos mais surpresas positivas do que negativas. Mesmo assim a vida prega-nos partidas. É muito importante que tudo isto seja feito com uma grande transparência, nunca perder a oportunidade de explicar um número, para responder a um problema, até para que as pessoas, que têm uma intuição de como a economia está a evoluir, não sintam que os seus governantes estão completamente desfasados do dia a dia.
ARF – Não falam verdade.
- A grande vantagem do que veio dizer o governador do Banco de Portugal é que provavelmente no final de 2008 já estávamos em recessão e este ano vamos ter recessão. Uma recessão que será significativa. A previsão é de menos 0,8, mas todos os sinais apontam para um valor pior. Pela primeira vez uma autoridade veio dizer aquilo que em certo sentido a maior parte dos portugueses já sentia.
LO - O senhor é um grande defensor de Vítor Constâncio numa altura em que o Governador do Banco de Portugal é fortemente atacado. Porquê?
- Conheço bem o doutor Vítor Constâncio, trabalhei com ele, admiro o seu patriotismo, é uma pessoa que está sempre a pensar nos portugueses e é uma figura com grande prestígio internacional.
ARF – Mas os casos do BCP, BPN e BPOP não abalaram o seu papel de supervisor?
- Não há País nenhum da Europa em que casos destes, nos últimos meses, não tenham acontecido. Nenhum. No mesmo dia em que o BPN e depois o BPP houve um banco austríaco que também teve um destino semelhante. Na França existiram vários casos, na Alemanha existiram vários casos, com tonalidades diferentes aqui e acolá, mas em todos os países da União Europeia houve problemas. E a reacção dos portugueses foi voltar-se contra o bombeiro ou contra o polícia em vez de se voltar contra o ladrão. E isso é único. Eu julgo que isso é único por uma razão muito simples.
LO – Isso é ser português.
- Isso não é ser português. Julgo que isso é a situação em que estamos a viver. Nós estamos a viver, e os senhores são da Comunicação Social, mas nem todas as universidades cumprem e também nem todos os jornais ou rádios cumprem. E a verdade é que nós estamos a viver uma situação do ponto de vista político muito complicada. Porque se olhar à sua volta e se comparar a classe política hoje, de todos os partidos, aqui não é uma questão partidária é uma preocupação de regime. Se olharmos para a situação actual e compararmos as pessoas que estão a ocupar diversos lugares hoje com o que era há quinze ou vinte anos atrás, ou se quiser ir à Assembleia Constituinte ainda tem um choque maior, e de facto há uma degradação da qualidade dos gestores da coisa pública. Há evidentemente honrosas excepções, mas em média a qualidade das pessoas que estão na política decaiu muito nos últimos anos. Isto é gravíssimo. São pessoas que estão a gerir metade do que nós ganhamos, grosso modo. Metade do nós ganhamos é gerido pelo Estado.
LO – O que é que se pode fazer para alterar a situação?
- Deixe-me só acabar. E portanto esta combinação de uma Justiça que não funciona, uma Comunicação Social, não direi integralmente mas muito dominada por sensacionalismos, leva a uma má qualidade da classe política, em média, há honrosas excepções, tanto na Comunicação Social como na classe política, a verdade é que isto leva a uma situação explosiva. O sistema odeia pessoas integras, honestas e capazes. E portanto é preciso acabar com elas. E é isso que nós estamos a assistir. O caso do doutor Vítor Constâncio, é o caso do doutor Manuel Sebastião, por exemplo, é preciso acabar com estas pessoas dentro do regime. Estas pessoas são incómodas e portanto a melhor maneira é atirar lama para cima delas. De uma maneira ou de outra. E eu estou a assistir a isto com muita preocupação. Já não são propriamente cargos de nomeação política, mas são pessoas que estão ao serviço da causa pública. E isso é muito importante nós termos capacidade de atrair os melhores. E se as pessoas ou porque compram um carro ou porque almoçam num restaurante são imediatamente postas e enxovalhadas num jornal ou numa rádio pensam duas vezes antes de irem para esses lugares. E isso normalmente acontece com os melhores, com as pessoas mais independentes, com as pessoas que não fazem dessa posição a sua carreira.
LO- Aliás aconteceu logo consigo quando foi conhecida a sua nomeação para ministro das Finanças por causa da pensão do Banco de Portugal.
- Não foi logo. Mas é que é muito mais grave. Não foi logo. Foi muito mais tarde. Eu fui dos primeiros a apresentar a minha declaração de rendimentos, estava lá tudo, não fui tido nem achado sobre o assunto, a regra de aposentação já existia. Ao contrário do que foi insinuado, não foi dito, foi insinuado, que tinha sido o próprio conselho a dar a si próprio. Mentira, foi o ministro da altura, que infelizmente já faleceu, e quem de facto me deu foi a doutora Manuela Ferreira Leite não me reconduzindo. E aquilo foi instituído em substituição de uma outra anterior. Um mês e meio depois de estar noticiado e de estar público é que vieram os ataques. Não foi por acaso. Eu estou apenas a partilhar convosco uma grande responsabilidade que todos nós temos na sociedade portuguesa. E a Comunicação Social tem uma grande responsabilidade nisso.
ARF – Não queimar os melhores?
- É importante as pessoas perceberem que é preciso termos os melhores na gestão da coisa pública e para isso não se podem atacá-los por coisas acessórias e muitas vezes histórias mal contadas.
ARF – Neste processo todo dos bancos, o engenheiro João Cravinho dizia que os paraísos fiscais, as off-shores são de facto um bom instrumento para os malfeitores do sistema financeiro. Qual é a sua posição sobre isso?
- Os off-shores não tiveram um papel fundamental na crise actual. A crise actual é uma coisa diferente e não convém confundir as coisas. Ou não percebemos nada. Os off-shores foram criados curiosamente pelos ingleses e pelos americanos, que agora se sentem muito pudicamente ofendidos com a existência deles. E depois os outros países foram forçados a terem-nos também. É algo que tem de ser banido, do meu ponto de vista, e deve ser fechado, mas não é algo que não esteja na capacidade do nosso Governo ou de outro qualquer. Mas se eu pudesse carregar num botão e todos os off-shores desaparecessem, evidentemente que eu não hesitava um segundo em fazê-lo.
ARF – Como é que vê a actuação do Governo perante esta crise? Apoios ao sector automóvel, muito dinheiro para cima da crise, obras públicas, grandes investimentos. Como é que vê isto tudo?
- Penso que o Governo, porque não quis reconhecer que nós poderíamos ter recessão, tem tirado coelhos da cartola. De vez em quando há um debate parlamentar e saca mais três medidas e depois há outro debate parlamentar sobre outro assunto e saca mais méis dúzia de medidas. Tudo muito desgarrado e não se percebendo a lógica interna. O que se sabe é que é mais despesa pública e mais nada. E sem se perceber qual é o cenário com que está a trabalhar, qual é a metodologia, qual é o programa, qual é o pacote, digamos. Isso transpareceu na opinião pública.
ARF – Tudo muito de forma anárquica.
- Não gosto de intervenções em sectores. Porque é que um burocrata do Terreiro do Paço, com que direito é que está a defender um sector contra outro? Porque é que há-de ser o sector automóvel e não há-de ser o turismo? E porque é que há-de ser o turismo e não os têxteis? É preferível ter intervenções de apoio que sejam neutras entre sectores. Porque eu não tenho razão nenhuma para pensar que o burocrata que está no Terreiro do Paço tenha capacidade para isso.
ARF – Mas que intervenção defende?
- Primeiro há a intervenção do lado da despesa e a intervenção do lado da receita no Orçamento. Eu julgo que não deve haver cortes de impostos para ricos, não deve haver cortes de impostos permanentes nem generalizados. Mas vejo do lado da receita do Orçamento dois tipos de intervenção que podiam ser positivos. Um seria dar à classe média um pequeno desconto no IRS. E isso pode ser feito amanhã. É muito rápido e fácil de implementar. De um mês para o outro pode ser implementado porque há as retenções na fonte e é deduzido logo ali. A Espanha fez isso. E a classe média, média baixa vai sofrer particularmente com esta crise.
ARF – E as empresas?
- Ainda do lado das receitas do Estado julgo que é importante a redução temporária da taxa social única. Isso reduziria os custos do trabalho para a empresa e teria algum impacto na evolução do desemprego.
ARF – E no lado da despesa?
- Já dei sugestões concretas. Por exemplo, a ideia das obras nas escolas ou nos hospitais. Tudo o que seja grandes obras públicas acho má ideia por uma razão muito simples.
ARF – É óbvio que TGV e aeroporto nunca?
- Eu TGV nunca. Aeroporto, se é aquele ou outro, tenho dúvidas.
- O programa para combater a crise deve assentar em pequenos projectos, muitos, disseminados no País. E devíamos nestes pequenos projectos perspectivar já o futuro. O que é que o País quer ser, como é que o País quer ser visto cá dentro e lá fora quando acabar a crise.
ARF – Essa visão estratégica não existe. Não existe hoje como não existiu ontem.
- Eu julgo que não, mas é pena.
LO – Porque é que, no meio disto tudo, José Sócrates está á beira de uma nova maioria absoluta?
- É preciso haver uma alternativa. E é muito difícil entrar um novo partido no sistema político português. É uma área em que a concorrência está muito fechada. O que leva os que lá estão a acomodar-se, porque sabem que mais tarde ou mais cedo o partido da alternância vai chegar ao poder. É apenas deixá-lo cair. Se não é agora é daqui a quatro anos. Nós estamos a ver é que, de facto, não há alternativas. Quando o PS está no poder a alternativa é o PSD.
LO – E Pedro Passos Coelho? É uma aposta?
- Pedro Passos Coelho, li as entrevistas dele, pode ser que venha a ser uma alternativa e é bom que haja caras novas na política, pareceu-me ainda imaturo.
ARF – O Estado está mesmo a asfixiar a sociedade? Mais ainda com esta crise?
- Esse é um risco que podemos correr. Daí eu estar a chamar a atenção que os apoios à economia não deviam ser fruto de uma decisão arbitrária do Terreiro do Paço, mas devia ser através de regras gerais e transparentes, em que todas as empresas deviam ter acesso.
PERFIL
Luís Manuel Moreira Campos e Cunha nasceu em 1954, licenciou-se em Economia pela Universidade Católica Portuguesa em 1977 e em 1985 terminou o doutoramento em Economia pela Columbia University de Nova Iorque com uma tese sobre economia internacional. Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa desde 1985, foi também docente da Universidade Católica.
Director da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, foi vice-governador do Banco de Portugal entre 1996 e 2002, altura em que Manuela Ferreira Leite não o reconduziu no cargo. Convidado por José Sócrates para ministro de Estado e das Finanças do actual Governo socialista, apresentou a sua demissão quatro meses depois por não concordar com o programa de grandes obras públicas, nomeadamente o TGV e o aeroporto.
António Ribeiro Ferreira, Correio da Manhã, Luís Osório, Rádio Clube
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