31 maio 2009

A MENINA QUE A JUSTIÇA MANDOU P'RA RUSSIA

A Mãe desnaturada A Menina infeliz



OU O CASO DA MENINA QUE LEVOU PALMADAS DA MÃE EM DIRETO DA RÚSSIA
A protecção da criança falha em vários domínios. A vontade política é fraca, fria e distante dos problemas que afectam a vida de uma criança que precisa de amparo. A mentalidade de protecção é inexistente porque vê a criança como um problema que vai afectar o regular funcionamento das instituições. A lei de (des)protecção é hipócrita e retrógrada, porque a sua primeira preocupação são os pais biológicos e não a criança, permitindo interpretações antagónicas sobre a mesma realidade. O pensamento do legislador passa mais pela protecção dos laços biológicos, que só são importantes com amor e afecto pela criança e não a qualquer preço, porque o desenvolvimento harmonioso da criança não depende, muitas das vezes, das ligações de sangue.
Falha a ligação entre as várias instituições que concorrem para a resolução desta problemática, porque funcionam em ilhas e em discurso fechado. Não existe um hábito e uma cultura de trabalho em equipa, numa rede permanente e interdisciplinar que permita resolver de imediato os casos que surjam. O que existe é um fosso, no diagnóstico e na execução das medidas a tomar, o que explica que a criança permaneça muitos anos institucionalizada ou em famílias de acolhimento. Não existe uma mentalidade adoptiva.
Tudo é mau para o crescimento harmonioso da criança: a sua prolongada institucionalização, a inevitável perda dos laços biológicos, a quebra dos laços que criou durante os muitos anos em que permaneceu com a família de acolhimento. E a adopção que tarda por incompetência de muita gente sem rosto, sem alma e com falta de sensibilidade.
Falha ainda um novo olhar sobre os tribunais de menores, que devem ser especializados na vocação e na dedicação. Ser organicamente especializado não é o mesmo que ter vocação especial para lidar com matérias que, embora juridicamente simples, encerram uma enorme complexidade pela carga humana que transportam. E neste contexto é preciso dizer com frontalidade que muitos juízes e magistrados do Ministério Público não estão convenientemente preparados para lidar com esta ciclópica tarefa. O aplicador da lei não se pode alhear das consequências sociais da sua decisão. Também não existe abertura para aceitar os contributos dos novos saberes, o que agrava o problema
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(Rui Rangel, Juiz Desembargador)

A OPINIÃO DE UM JORNALISTA
Estas palmadas russas na criança são, metaforicamente, também para a Justiça e Estado português. O juiz decidiu, como disse, perante “os factos que estavam no processo”. Não falou com ninguém, analisou o que tinha sido julgado na primeira instância mas fez uma valoração diferente dos factos.
A sua livre apreciação da causa foi tão radicalmente diferente do tribunal inferior que o levou a apontar uma “maternidade serôdia” à mãe de acolhimento. Não quis julgar a mãe biológica pelo quadro que era estabelecido pelos técnicos da Segurança Social, mas não se coibiu de arrasar a outra parte. Já agora, baseado em quê? Em que factos? A liberdade de decisão do juiz não se discute, mas a verdade é que esta não está a resistir a umas simples imagens das palmadas e a um lamentável quadro de exposição da criança a circunstâncias que cheiram a negócio.
Uma coisa este caso demonstra: os processos de menores não podem ser decididos em circunstâncias destas. Um monte de papel, factos avaliados à distância das pessoas, pura consideração de um determinismo biológico como critério dominante. É tal a ‘defesa da família’ que, tantas vezes, a pura realidade é atirada para o caixote do lixo
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(Eduardo Dâmaso)

OPINIÃO DE UM INTELECTUAL
Um dos juízes de Guimarães, responsável pela entrega de Alexandra à sua mãe biológica russa, diz que está arrependido pelos termos usados no texto do acórdão que redigiu. Faz bem. É um texto muito discutível e questionável.
Pode argumentar-se que apenas esteve em causa a aplicação da lei (o que é verdade): mas, se é assim, o juiz podia ter evitado os termos em que a aplica. Deixar decisões tão importantes nas mãos de um juiz capaz de escrever o que está escrito no acórdão é capaz de não ser uma boa ideia.
Mas ele está também “surpreendido” com as imagens de Natalia a bater em Alexandra na Rússia. Faz mal. Não devia estar. Foi ali, bem perto, que Camilo Castelo Branco escreveu o seu folhetim ‘Maria não me Mates que sou tua Mãe’ – uma história que não entrou nos tribunais
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(Francisco José Viegas, Escritor)








































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