19 setembro 2010

O GALINHEIRO


Nós galináceos, por sabermos que galinha solta é bagunça e sujeira certa, com poleiros imundos, pena e titicas voando pra todo lado, decidimos organizar-nos em forma de galinheiro, todo cercadinho e bem cuidado, de acordo com as disposições que seguem:
I. O galinheiro é das galinhas, e sua função básica é garantir a soberania do galinheiro, a liberdade, a educação e a saúde de cada um dos membros da comunidade, sejam eles galos (inclusive os de briga), sejam galinhas, sejam galinhas-d’angola, sejam frangos, sejam pintos.
II. Para assegurar que o galinheiro possa ser o lugar que se espera dele, atendendo às necessidades do conjunto das galinhas, estas escolherão, em eleições livres e democráticas, representantes entre as raposas, para tomar conta de tudo.
III. Ou seja, a função das raposas é tomar conta do galinheiro.
IV. Para garantir que as raposas façam um bom trabalho, serão eleitas outras raposas para fiscalizar as primeiras raposas. A toca em que as raposas se reunirão para votar leis e vigiar as raposas governantes será chamada de Casa da Joana, em homenagem à heróica galinha de mesmo nome. Para que tudo funcione direitinho, haverá rotatividade entre as raposas, com as raposas que governam alternando a sua função com as que fiscalizam, a cada quatro ou, no máximo, oito anos.
V. Às galinhas é facultada a posse de asas, mas é vedado o voo. As raposas, que nem asas têm, voarão, quando necessário, para o exercício de suas funções, com passagens subsidiadas, que poderão ser transmitidas a parentes, inclusive surfistas.
VI. Para assegurar que o galinheiro viva em paz e segurança, e que as galinhas não voem, não roubem nem abusem do consumo de milho e quirera, as raposas criarão um serviço de vigilância, com câmeras fotográficas, bafómetros, cigarrometros e radares de diversos tipos.
VII. A privacidade das galinhas é um direito essencial. Dessa forma, desde já se avisa que elas podem estar sendo filmadas ou tendo suas conversas gravadas.
VIII. Para que os serviços prestados pelas raposas possam ser executados a contento, serão cobrados, das galinhas, impostos, taxas e contribuições, temporárias ou permanentes. O montante a ser pago deverá equivaler a um ovo em cada três.
IX. As galinhas que não pagarem os impostos serão promovidas a frango assado.
X. Se alguma riqueza for descoberta no subsolo do galinheiro, ela pertencerá a todas as galinhas. Para garantir que o produto da descoberta beneficie todo o galinheiro, ela será explorada com exclusividade pela Petrogalo, empresa pública administrada pelas raposas.
XI. A arte, a crítica e o livre-pensamento devem ser incentivados pelas raposas por intermédio de fundos especiais de apoio à criatividade das galinhas. Já está programada, para este ano, uma peça de teatro baseada na obra educativa do chicken mac nugget George Orwell, que mostra claramente que as galinhas só podem confiar mesmo é nas raposas.
XII. Para compensar a dívida histórica com as galinhas-d’angola, cujos antepassados foram trazidos para o galinheiro de certa forma, por assim dizer, a contragosto, as raposas determinam que haverá um sistema de cotas para estas, de forma que, de cada dez frangos assados de padaria, canjas ou yakisobas de frango, dois terão que ser preparados com aquelas galinhas.
XIII. Se acontecer, por acidente, de brilhar a estrela de uma galinha e ela ser eleita, no meio das raposas, para tomar conta do galinheiro, as raposas deverão providenciar uma cirurgia urgente para que essa galinha seja transformada em raposa. Não importa, aliás é até bom, que por fora ela continue a parecer-se com uma galinha, pois assim ela será uma raposa ainda melhor. Além disso, a raposa que permanecer em cargos eleitos por mais de 30 anos, mesmo que esteja mais suja do que pau de galinheiro, ganhará imunidade contra qualquer acusação, pois terá, a seu favor, a história.
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André Caramuru Aubert, 47, é historiador e também trabalha em tecnologias . O seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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