31 agosto 2010

ELEGIA DO SEGUNDO SONHO VIVO

Amor que vens na vaga do Índico e no sonho
Ao poeta velho e adormecido,
Ouve:
A noite que nos cobre é a minha harmonia e o teu desgosto,
Nosso encontro de cegos batido bordão a bordão.
Ela, que veio acordar-me e carregar-me,
Trouxe-te como a andorinha traz uma pallha na asa,
E é ela que talvez à mesma hora prime
Teu largo coração com seu pulso de bronze
E uma lágrima vã nos teus grandes olhos animais.
Apega-te à noite, dá-lhe a tua tristeza e ainda um resto de véu,
Enche-te de saudade e água estendida,
Faz-te leve no vento e fácil ao mar que nos criou,
E vem ao teu amor de infância,
Assim: com a tua cabeça que a água verde atira,
Coroada de asas e bichos frenéticos,
Cortada a relâmpago nas espumas,
Alta, leve ( e a estrela que nela se avivou?).
Depois, com as tuas mãos que sem querer me arredaram,
Tenta o suor abstracto da minha testa
E leva-o no lenço para umas pérolas que te dou.
Já, meu amor, será a mocidade ardida,
Os anéis enterrados antes antes de um aro mútuo,
Partida a âncora da promessa
E o cabo de vaivém todo enrolado a bordo
Como quando larguei e - ao menos uma vez! - me esperaste
[vão.
Já, meu amor, ninguém toucará a Menina
Destas rosas poéticas que eu crio,
Destas rosas de sangue que as lágrimas do Anjo tingiram,
Daquelas rosas brancas fanadas no lume ido e lento,
Outras molhadas na manhã da Ilha, no vinho,
Rosas de silêncio e de lava.
Vitorino Nemésio
Publicada por José Carlos Mégre

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