1. Há uns anos atrás, depois de Guterres se ter zangado com o país e Ferro Rodrigues ter assumido a liderança do Partido Socialista, preenchi a minha ficha de adesão a este partido e pedi a dois amigos militantes que a subscrevessem. Para além das razões que se prendiam com a conjuntura política, entre os quais se destacava o papel muito positivo de Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso e Vieira da Silva na defesa das políticas públicas de solidariedade, havia uma outra, que ía confessando sempre que tinha possibilidade: defender a importância, perante um PS que se entretinha a descaracterizar este contributo, da iniciativa do Ministério da Cultura no período entre 1995-99. Por causa disso participei ainda em algumas reuniões da acção sectorial da Cultura, até perceber que a sua ineficácia não tinha tanto a ver com o conformismo cultural dos responsáveis por este sector, mais do esvaziamento e conformismo do Partido Socialista em relação à Cultura. Saído Ferro Rodrigues percebi que a minha inscrição no PS tinha sido um equívoco e deixei-me afastar pela inércia. O facto de ter sido um equívoco não impediu de poder ter aprendido algo muito importante: o conhecimento de que a vida partidária é também, e muito mais do que se imagina, um espaço de resistência associativa, de amadurecimento cívico e de fermentação de ideias, que contrariavam algumas ideias preconcebidas que eu tinha sobre a vida política partidária.
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2. Achei importante esta nota quando estou a escrever uma reflexão sobre a necessidade que temos da Esquerda, para desde logo dizer que não a consigo entender sem o PS. Apagar o contributo do Partido Socialista em políticas de solidariedade social, da cultura, da defesa do meio ambiente, da ruptura de mentalidades e da defesa das minorias é um gesto absurdo que empobrece a esquerda de valioso património político. Não creio aliás que haja algum interesse neste momento em discutir sobre quem é ou não de esquerda, até porque a situação política e económica está de tal modo extremada que a simples escolha da barricada é já um indicador mais claro disso do que qualquer discussão genética ou geneológica sobre a pureza da Esquerda.
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3. Disse que no momento actual em que vivemos a simples escolha da barricada é já um indicador muito claro sobre o que se espera da esquerda. Mas devia ter dito mais: que também o é a forma como percepcionarmos a urgência com que é necessário tomar partido. E já no nosso aquartelamento ideológico - não tenham dúvidas de que estamos em guerra - deveremos tentar ter uma compreensão comum a alguns fenómenos que afectam a nossa relação com o real.
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A primeira é de que vivemos, desde há muito, num clima de desideologização da nossa vida, e que este clima é resultado de um intenso trabalho ideológico (que tem o seu sucesso na forma como consegue dissipar a sua componente e natureza ideológica). A ideologia surge como que um produto de entretenimento retórico, porque o que nos interessa, o que interessa verdadeiramente é podermos viver melhor, consumir mais, trabalhar mais, produzir mais. Vamos perder muito tempo do tempo que nos falta senão começarmos por desenvolver uma visão em comum desta realidade.
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A segunda questão é percebermos que a ideia de crise tenta desde logo mobilizarmo-nos para pertencermos a uma ideia de que a nossa vida era boa, era justa, e que deveremos fazer tudo o que podermos para voltarmos ao nosso consumismo desenfreado e, cerrando as janelas e as portas dos nossos condomínios mentais fechados, pensarmos: " - A borrasca passou!". É uma grosseira mentira que começa por nos esconder o essencial: a nossa vida há muito tempo que deixou de ser nossa e se tornou numa generosa hipoteca sobre a possibilidade de tomarmos nas mãos o nosso modo de vida.
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A ideia de crise tem ainda outros desenvolvimentos ( e já tentei abordar isso no Alegro): de uma forma suscinta, a cultura da crise alimenta-se da criação de um pathos que nos faz perder de vista a possibilidade de outras soluções do que aquelas que um exclusivo grupo de especialistas nos apresentam. Poderíamos dedicar a isto muitas linhas mas também o podemos dizer assim, à velocidade da nossa inquietação: Cavaco foi eleito pela sua perícia em perceber estes fenómenos e no entanto assinou em quatro dias a proposta do governo de Sócrates para nacionalização do BPN. E Cavaco e o Governo fizeram-no porque havia uma ameaça, um pathos sobre as suas cabeças. Ninguém teve o discernimento de pensar aquilo que poucos dias mais tarde era evidente: que a saúde da nossa banca era boa, que não estava tão exposta aos activos tóxicos, que a nacionalização da actividade que dava prejuízo sem o acautelar do resgate do financiamento público era uma perda terrível para a nossa economia. Não adianta referir isto senão como pedra de toque desta consciência de que o mais grave daquilo que se passou até agora é que possamos ainda não estar suficientemente alerta para o ataque impiedoso que isto é ao nosso desejo de vivermos num mundo mais justo e solidário. Felizmente começa já a circular entre nós muito material de grande capacidade viral, para não falar de Inside Jobs, que nos obriga a perceber o quão dissimulado é este trabalho. Olhem para a Europa do défice, da dívida pública, desta financeirização que tomou conta da nossa percepção do mundo e vejamos como está descaracterizado este sonho europeu que ainda há pouco tempo nos trouxe tantas esperanças. Há uma questão cujo impacto desprezámos: a união da Europa pode também tornar a Europa mais vulnerável.
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4. A inevitabilidade do FMI. Há alguns meses que a inevitabilidade do FMI tem sido lançada como solução para a crescente incapacidade dos PIGS se financiarem no mercado da dívida. Sucessivamente como num dominó as peças foram caindo sem que se perceba em que é que a intervenção do FMI foi positiva para os países intervencionados. No entanto a mesma intervenção continua a ser sugerida e de uma forma cada vez mais radicalizada sem no entanto se explicar porque é que se pensa que ela deve ser pedida. Ao mesmo tempo parece que desapareceu do discurso político a ideia de que a Europa possa ter uma outra posição sobre o mercado da dívida, quer pela criação de agências de notação credíveis, quer pela criação de alternativas financeiras por parte do BCE de apoio aos países com problemas. Quando eu digo que desapareceu do discurso político quero dizer que ele está a perder capacidade de entrar na agenda política. E está a perder capacidade porque assumir esse discurso é uma tarefa da Esquerda e a Esquerda está toda esfrangalhada presa a lideranças que tentam fazer uma gestão de danos. Que tentam fazer uma gestão de danos em relação à perda de influência mediática e discursiva de uma visão política alternativa a este furacão neoliberal que descobriu a sua galinha dos ovos de ouro na divída pública da velha Europa.
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2. Achei importante esta nota quando estou a escrever uma reflexão sobre a necessidade que temos da Esquerda, para desde logo dizer que não a consigo entender sem o PS. Apagar o contributo do Partido Socialista em políticas de solidariedade social, da cultura, da defesa do meio ambiente, da ruptura de mentalidades e da defesa das minorias é um gesto absurdo que empobrece a esquerda de valioso património político. Não creio aliás que haja algum interesse neste momento em discutir sobre quem é ou não de esquerda, até porque a situação política e económica está de tal modo extremada que a simples escolha da barricada é já um indicador mais claro disso do que qualquer discussão genética ou geneológica sobre a pureza da Esquerda.
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3. Disse que no momento actual em que vivemos a simples escolha da barricada é já um indicador muito claro sobre o que se espera da esquerda. Mas devia ter dito mais: que também o é a forma como percepcionarmos a urgência com que é necessário tomar partido. E já no nosso aquartelamento ideológico - não tenham dúvidas de que estamos em guerra - deveremos tentar ter uma compreensão comum a alguns fenómenos que afectam a nossa relação com o real.
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A primeira é de que vivemos, desde há muito, num clima de desideologização da nossa vida, e que este clima é resultado de um intenso trabalho ideológico (que tem o seu sucesso na forma como consegue dissipar a sua componente e natureza ideológica). A ideologia surge como que um produto de entretenimento retórico, porque o que nos interessa, o que interessa verdadeiramente é podermos viver melhor, consumir mais, trabalhar mais, produzir mais. Vamos perder muito tempo do tempo que nos falta senão começarmos por desenvolver uma visão em comum desta realidade.
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A segunda questão é percebermos que a ideia de crise tenta desde logo mobilizarmo-nos para pertencermos a uma ideia de que a nossa vida era boa, era justa, e que deveremos fazer tudo o que podermos para voltarmos ao nosso consumismo desenfreado e, cerrando as janelas e as portas dos nossos condomínios mentais fechados, pensarmos: " - A borrasca passou!". É uma grosseira mentira que começa por nos esconder o essencial: a nossa vida há muito tempo que deixou de ser nossa e se tornou numa generosa hipoteca sobre a possibilidade de tomarmos nas mãos o nosso modo de vida.
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A ideia de crise tem ainda outros desenvolvimentos ( e já tentei abordar isso no Alegro): de uma forma suscinta, a cultura da crise alimenta-se da criação de um pathos que nos faz perder de vista a possibilidade de outras soluções do que aquelas que um exclusivo grupo de especialistas nos apresentam. Poderíamos dedicar a isto muitas linhas mas também o podemos dizer assim, à velocidade da nossa inquietação: Cavaco foi eleito pela sua perícia em perceber estes fenómenos e no entanto assinou em quatro dias a proposta do governo de Sócrates para nacionalização do BPN. E Cavaco e o Governo fizeram-no porque havia uma ameaça, um pathos sobre as suas cabeças. Ninguém teve o discernimento de pensar aquilo que poucos dias mais tarde era evidente: que a saúde da nossa banca era boa, que não estava tão exposta aos activos tóxicos, que a nacionalização da actividade que dava prejuízo sem o acautelar do resgate do financiamento público era uma perda terrível para a nossa economia. Não adianta referir isto senão como pedra de toque desta consciência de que o mais grave daquilo que se passou até agora é que possamos ainda não estar suficientemente alerta para o ataque impiedoso que isto é ao nosso desejo de vivermos num mundo mais justo e solidário. Felizmente começa já a circular entre nós muito material de grande capacidade viral, para não falar de Inside Jobs, que nos obriga a perceber o quão dissimulado é este trabalho. Olhem para a Europa do défice, da dívida pública, desta financeirização que tomou conta da nossa percepção do mundo e vejamos como está descaracterizado este sonho europeu que ainda há pouco tempo nos trouxe tantas esperanças. Há uma questão cujo impacto desprezámos: a união da Europa pode também tornar a Europa mais vulnerável.
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4. A inevitabilidade do FMI. Há alguns meses que a inevitabilidade do FMI tem sido lançada como solução para a crescente incapacidade dos PIGS se financiarem no mercado da dívida. Sucessivamente como num dominó as peças foram caindo sem que se perceba em que é que a intervenção do FMI foi positiva para os países intervencionados. No entanto a mesma intervenção continua a ser sugerida e de uma forma cada vez mais radicalizada sem no entanto se explicar porque é que se pensa que ela deve ser pedida. Ao mesmo tempo parece que desapareceu do discurso político a ideia de que a Europa possa ter uma outra posição sobre o mercado da dívida, quer pela criação de agências de notação credíveis, quer pela criação de alternativas financeiras por parte do BCE de apoio aos países com problemas. Quando eu digo que desapareceu do discurso político quero dizer que ele está a perder capacidade de entrar na agenda política. E está a perder capacidade porque assumir esse discurso é uma tarefa da Esquerda e a Esquerda está toda esfrangalhada presa a lideranças que tentam fazer uma gestão de danos. Que tentam fazer uma gestão de danos em relação à perda de influência mediática e discursiva de uma visão política alternativa a este furacão neoliberal que descobriu a sua galinha dos ovos de ouro na divída pública da velha Europa.
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Ora no nosso país isso só pode acontecer através de uma coesão do discurso da esquerda, o que, entre nós, terá se ser entendida no plano parlamentar e institucional como PS, PCP e BE e tendo como base de apoio no mundo laboral uma convergência entre a UGT e a CGTP. É o único quadro ideológico que permite identificar de forma clara o que se está a passar.
5. O milagre da Esquerda. Esperar que por sua iniciativa os partidos de esquerda, a CGTP e a UGT se unam e assumam que é possível criar uma alternativa àquela que nos propôem aqueles que acham que a única solução é o pedido de apoio ao FMI (escamoteando o facto de que não se tratam apenas de dinheiros do FMI), é o mesmo que esperar o Natal em Junho. Essa alternativa implica necessariamente uma politica da criação de uma grande evidência comum, e só pode advir se conseguirmos perceber que as nossas finanças públicas implicam medidas de uma grande radicalidade e de confronto com a forma como o Estado foi desenvolvendo um monstro que o impede de aperfeiçoar a sua função.
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A ideia de um Estado-Monstro é uma criação neoliberal, é certo, mas isso não nos pode impedir de reconhecer que a conjugação de uma ideia constitucional de serviço público com uma ideia de empresarialização do Estado, tem, na sua grande maioria, enfraquecido a prestação do serviço público. A dinastia PEC não é de esquerda porque tem faltado à verdade, foi injusta nas suas propostas e não foi longe demais na moralização da vida pública (imprescíndível para uma coesão social e envolvimento da comunidade nos esforços de austeridade) mas a ideia de planos para recuperação da saúde económica, e não apenas financeira, da vida do País, são fundamentais. Ser de esquerda não é meter a cabeça na areia e negar que para estabilizarmos esta desestabilização fdp, há a necessidade de distribuirmos um pouco de instabilidade por todos em vez desse ídilico sonho de distribuir a riqueza (que não há) por todos. A esquerda tem notórios problemas em discutir esta realidade mas vai ter de encontrar um mínimo denominador comum. Porque se ela insistir na demagogia está a ser cúmplice com este alastramento de uma demagogia calculista de assalto ao poder por parte da direita.
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Chegámos a um ponto dramático mas inevitável: como a Esquerda dos partidos não se entende, tem de ser a Esquerda dos cidadãos a pressioná-la para que o consiga fazer. Tem de ser a esquerda dos cidadãos a dizer aos partidos que a querem representar que têm de ser mais rápidos, mais ágeis no encontrar de um denominador comum que nos ajude a libertarmo-nos desta fatalidade de sermos a próxima pedra a cair no xadrez da grande jogada de um movimento especulativo de dimensões nunca vistas e que configura verdadeiramente um crime económico contra a humanidade.
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A ideia de um Estado-Monstro é uma criação neoliberal, é certo, mas isso não nos pode impedir de reconhecer que a conjugação de uma ideia constitucional de serviço público com uma ideia de empresarialização do Estado, tem, na sua grande maioria, enfraquecido a prestação do serviço público. A dinastia PEC não é de esquerda porque tem faltado à verdade, foi injusta nas suas propostas e não foi longe demais na moralização da vida pública (imprescíndível para uma coesão social e envolvimento da comunidade nos esforços de austeridade) mas a ideia de planos para recuperação da saúde económica, e não apenas financeira, da vida do País, são fundamentais. Ser de esquerda não é meter a cabeça na areia e negar que para estabilizarmos esta desestabilização fdp, há a necessidade de distribuirmos um pouco de instabilidade por todos em vez desse ídilico sonho de distribuir a riqueza (que não há) por todos. A esquerda tem notórios problemas em discutir esta realidade mas vai ter de encontrar um mínimo denominador comum. Porque se ela insistir na demagogia está a ser cúmplice com este alastramento de uma demagogia calculista de assalto ao poder por parte da direita.
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Chegámos a um ponto dramático mas inevitável: como a Esquerda dos partidos não se entende, tem de ser a Esquerda dos cidadãos a pressioná-la para que o consiga fazer. Tem de ser a esquerda dos cidadãos a dizer aos partidos que a querem representar que têm de ser mais rápidos, mais ágeis no encontrar de um denominador comum que nos ajude a libertarmo-nos desta fatalidade de sermos a próxima pedra a cair no xadrez da grande jogada de um movimento especulativo de dimensões nunca vistas e que configura verdadeiramente um crime económico contra a humanidade.
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6. Escrevo este post no balanço pessoal de uma experiência política inusitada e que me apanhou desprevenido, quando colaborei no Alegro Pianísimo (blogue coordenado pelo Luís Novaes Tito, Joana Lopes e Paulo Ferreira) e em que ganhei essa convicção de que a política tem de estar associada à utopia, a essa vontade de bater o pé, a esse desespero de termos uma corda enfiada na garganta e de termos de ser mais ágeis que o garrote. Fomos jantar anteontem e voltei a pensar nisso. Lembro-me de algures, no blogue, ter escrito a páginas tantas que votava no Manuel Alegre por aquilo que essa opção me obrigava a ver e a querer ser com outros. Tenho aprendido muito nestes tempos. Descer a 12 de Março a Av. da Liberdade, ser um de duzentos ou trezentos mil, foi também muito enriquecedor para mim. Não podemos baixar os braços. Se a esquerda partidária não consegue perceber o que queremos dela, temos de o dizer. Nos blogues, no facebook.
Temos de voltar à rua, a Primavera chama-nos.