05 julho 2011

SALTOS ALTOS



Quem o conhecesse bem, sabia que ele não era chalado e que seria incapaz de fazer mal a alguém. Outros talvez achassem estranho o seu deslumbramento por sapatos de salto, as suas viagens de estudo a sapatarias, os seus conhecimentos sobre o ofício - sabia que Manolo Blahnick crescera numa plantação de bananas e que considerava o decote dos sapatos o mais importante nos modelos que desenhava (apenas dois dedos revelados).
Os amigos faziam piadas quando ouviam esta lista de factóides, diziam: "Deixa de ser panilas." Ele não tinha vergonha e dava por si a explicar o efeito dos saltos na verticalidade das pernas, a forma como destacavam uma mulher no meio de uma sala, a decepção que era ver alguém que usava stilettos como quem anda de patins pela primeira vez. Talvez umas quantas funcionárias de sapatarias pensassem que aquele interesse se transformara em fetiche com possibilidades de obsessão em forma de telefonemas anónimos.
Nada disso, ele sempre esteve mais próximo de se apaixonar do que de ser preso por exposição indecente a sapatos femininos. "Tem a ver com beleza", dizia aos amigos, que respondiam: "Tem a ver com tesão". E quando uma ex-namorada quis devolver todos os sapatos que recebera de presente, ele recusou, não querendo privar o resto do mundo de vê-la com eles calçados. Depois conheceu Cristina, que só usava sandálias de tiras e havaianas. Passou rapidamente de estudioso de sapatos para admirador de pés. O seu ponto mais fraco: o calcanhar de Cristina. Ela garante que ele não é maluco, apenas entusiasta das coisas bonitas. DN-Hugo Gonçalves

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