20 março 2011

UMA ESTRATÉGIA PARA A ESQUERDA EUROPEIA


A única hipótese estratégica que se pode conceber para a esquerda europeia deve ter como ponto de partida uma experiência de transformação social que se inicie num país. Ela não deve encerrar-se na escolha impossível entre uma aventura arriscada – a saída do euro – e uma harmonização utópica. Devemos abandonar a ideia de que existem atalhos “técnicos”, assumir o conflito inevitável e construir uma nova correlação de forças capaz de atacar os interesses capitalistas: o país inovador poderia reestruturar a sua dívida, nacionalizar os capitais estrangeiros, ou ameaçar fazê-lo. É o que nunca pensaram fazer os governos “de esquerda” de Papandreou na Grécia ou de Zapatero em Espanha. O artigo é de Michel Husson.
A dimensão especificamente europeia vem agravar os efeitos da crise global. Há trinta anos, as contradições do capitalismo têm sido ultrapassadas, em resumo, por uma enorme acumulação de direitos fictícios sobre a mais-valia. A crise ameaçou destruí-los. Os governos burgueses decidiram preservá-los, dizendo que era preciso salvar os bancos. Eles assumiram as dívidas dos bancos por conta própria, sem quase nada exigir como contrapartida. Teria sido possível, contudo, impor condições a essa salvação, por exemplo a interdição de produtos especulativos e o encerramento dos paraísos fiscais; ou ainda responsabilizar os bancos por um certo montante da dívida pública que esta salvação fez bruscamente aumentar.
Entramos agora na segunda fase. Depois de ter passado a dívida do privado para o público, vão agora fazê-la pagar pelos trabalhadores. Esta terapia de choque toma a forma de planos de austeridade que são todos construídos no mesmo modelo: redução das despesas socialmente úteis e aumento dos impostos mais injustos. Só há uma alternativa a essa violência social: fazer os acionistas e os credores pagarem o custo da salvação do sistema. Tudo isto é claro e todos compreendem.
O colapso de um projeto burguês
Mas o que os trabalhadores devem agora pagar é também o colapso do projeto burguês de construção europeia. Com a moeda única, o pacto de estabilidade orçamentária e a desregulamentação total da finança e dos movimentos de capitais, as burguesias europeias pensavam ter encontrado o bom sistema.
Pondo em concorrência os assalariados e os modelos sociais, a compressão salarial tornava-se o único meio de regular a concorrência inter-capitalista e de aprofundar as desigualdades favoráveis a uma camada social estreita.
No entanto, este modelo não era viável, porque punha o carro à frente dos bois pressupondo uma homogeneidade das economias europeias que não existia. A divergência, pelo contrário, agravou-se entre os países, segundo o seu lugar no mercado mundial e a sua sensibilidade ao curso do euro; as taxas de inflação não convergiram e as baixas taxas de juro favoreceram as bolhas imobiliárias, etc. Todas as contradições de uma construção truncada, que os euroliberais só descobrem agora, existiam antes da crise, mas esta fê-las explodir na forma de ataques especulativos contra as dívidas soberanas dos Estados mais expostos.
Por detrás da abstração dos “mercados financeiros” há principalmente estabelecimentos financeiros europeus que para especular utilizam os capitais que lhes foram emprestados pelos Estados, a taxas de juro muito baixas. Esta especulação só é possível devido à não intervenção dos Estados e é preciso entendê-la como uma pressão para sanear os orçamentos à custa dos povos e preservar os juros dos bancos.
Duas tarefas imediatas
Do ponto de vista dos trabalhadores, as tarefas imediatas são claras: é preciso resistir aos planos de austeridade e recusar pagar a dívida, que não é outra coisa senão a dívida da crise. O projeto alternativo, em nome do qual esta resistência social se pode desenvolver, assenta na exigência de uma repartição das riquezas. Uma tal exigência é coerente: foi a compressão salarial, ou dito de outra forma a captação de uma parte crescente da mais-valia pela finança, que conduziu à enorme acumulação de dívidas que levou à crise. Tal é a verdadeira base material desta crise.
A alternativa passa especialmente por uma verdadeira reforma tributária que anule os privilégios concedidos há anos às empresas e aos ricos. Ela implica também, de uma forma ou outra, a anulação da dívida. A incompatibilidade entre a dívida e os interesses sociais majoritários é total. Não pode haver saída progressista para a crise sem pôr em causa esta dívida, seja sob a forma de anulação ou de reestruturação. Além disso, um certo número de países vão provavelmente ser incapazes de pagá-la e é ainda mais importante antecipar esta situação e dizer como ela deverá ser gerida.

Sair do euro?
A ofensiva com que estão confrontados os povos europeus é inegavelmente agravada pelo espartilho europeu. Por exemplo, os bancos centrais europeus, contrariamente ao Federal Reserve dos Estados Unidos, não podem monetizar dívida pública, comprando títulos emitidos pelo Tesouro. A saída do euro permitiria desatar este nó? É o que propõe Costas Lapavitsas no caso da Grécia, e isso como uma medida imediata, sem esperar, diz ele, que a esquerda se una para mudar a zona euro, o que ele acha “impossível”.
Esta ideia, que é proposta para o resto da Europa, enfrenta uma primeira objeção: a Grã-Bretanha não faz parte do euro e isso não a preservou da austeridade. É além disso fácil de compreender porque a extrema direita nacionalista pede a saída do euro, como acontece com a Frente Nacional em França. Pelo contrário, é mais difícil de ver quais poderiam ser os méritos de uma tal palavra de ordem para a esquerda radical. Se um governo liberal fosse obrigado a tomar uma medida dessas, sob a pressão dos acontecimentos, é certo que isso seria o pretexto para uma austeridade ainda mais dura que aquela que conhecemos hoje e que isso não faria nada, pelo contrário, para estabelecer uma relação de forças mais favorável aos trabalhadores. É essa a lição que se pode extrair de todas as experiências do passado.
Para um governo de esquerda, sair do euro seria pelo contrário um verdadeiro erro estratégico.

 A nova moeda seria desvalorizada, pois afinal é esse o objetivo. Mas isso abriria uma brecha que imediatamente os mercados financeiros aproveitariam para lançar uma ofensiva especulativa. Isso provocaria um ciclo desvalorização-inflação-austeridade. Além disso, a dívida, até aí formulada em euros ou em dólares, aumentaria bruscamente no montante dessa desvalorização. Qualquer governo de esquerda verdadeiramente decidido a tomar medidas a favor dos trabalhadores seria seguramente confrontado com fortes pressões do capitalismo internacional. Mas de um ponto de vista tático, seria melhor, nessa prova de força, utilizar de maneira conflitual o fato de se pertencer à zona euro.
 Quanto ao fundo, é verdade que a construção europeia fundada na moeda única não é coerente e em qualquer caso está inacabada. Ela retira uma variável de ajustamento, a taxa de câmbio, às diferenças de evolução dos preços e dos salários no interior da zona euro. Os países da periferia têm então de escolher entre congelar os salários, como faz a Alemanha há dez anos, ou sofrer uma perda de competitividade e perdas de mercado. Esta situação conduz a uma espécie de impasse e não existem soluções imediatamente aplicáveis: voltar atrás mergulharia a Europa no caos em detrimento dos países mais frágeis; implementar uma nova lógica de construção europeia parece um objectivo fora de alcance. Se a zona euro estourasse, as economias mais frágeis seriam desestabilizadas pelos ataques especulativos. Mesmo a Alemanha nada teria a ganhar com isso, na medida em que a sua moeda se valorizaria de forma incontrolada, sofrendo o que os Estados Unidos procuram hoje impor a numerosos países, com a sua política monetária (1).

Existem outras soluções, que passam por uma refundação total da União Europeia: um orçamento alimentado por um imposto unificado sobre o capital e financiando fundos de harmonização e investimentos social e ecologicamente úteis, a gestão conjunta das dívidas públicas, etc. Mas, repetindo, esta saída por cima não é possível a curto prazo, não por falta de dispositivos alternativos, mas porque a sua aplicação pressupõe uma mudança radical da relação de forças à escala europeia.

Que fazer então nesta conjuntura extremamente difícil? A luta contra os planos de austeridade e a recusa a pagar a dívida constituem a base de uma contra-ofensiva. É preciso em seguida, para que as resistências sejam reforçadas pela afirmação de um projeto alternativo, trabalhar sobre um tal programa, articulando soluções “técnicas” com uma explicação geral do conteúdo de classe da crise (2).
A tarefa específica da esquerda radical e internacionalista é, em seguida, combinar as lutas conduzidas a nível nacional com a afirmação de uma outra Europa. Do seu lado, que fazem as burguesias? Elas afrontam-se sobre as políticas a conduzir porque defendem interesses que continuam a ser em grande parte nacionais e contraditórios. Mas quando se trata de impor a austeridade às suas respectivas classes operárias, elas apresentam uma frente comum solidamente unida.
No outro campo, há mais a fazer do que sublinhar as diferenças, certamente reais, que existem na situação dos diferentes países. O verdadeiro desafio é a construção de um ponto de vista internacionalista sobre a crise na Europa. É em primeiro lugar o único meio de se opor
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