04 dezembro 2011

UM HOMEM COM QUALIDADE




Algumas vezes ouviu Jaime Gama dizer que os políticos são os únicos que têm a derrota como destino inevitável. Uma ou outra vez ripostou. Conhecia vários exemplos de políticos que se souberam retirar a tempo e não passaram por tal angústia, mas com o tempo a frase de Gama acumulou novos sentidos....
 Um homem de bom gosto aprecia mais os vencidos da vida do que os vencedores – mais uma questão poética do que semântica, reconheço. Ainda assim consegue recordar um personagem literário sem a sombra da derrota ou da iniquidade? Ninguém me ocorre. Não vem a propósito da história que lhe quero contar; mas já que navegamos por entre vencedores e sentidos, a opinião que mais sentido fez em mim foi a de José Miguel Júdice. Qualquer coisa como isto: uma pessoa pode perder toda a vida, mas a soma das suas derrotas pode significar uma grande vitória no fim.
Há umas linhas atrás falava-lhe de António Guterres. Poucas vezes ripostou máximas de Gama ou do seu grande amigo Salgado Zenha. As frases de efeito não existem para ser desmascaradas e Guterres também as tinha e gostava de as utilizar no momento certo. Uma das suas preferidas: a travessia do deserto só é possível se a pessoa estiver disposta a passar no deserto toda a vida.
Tenho um sentimento de culpa em relação a Guterres. Não é um episódio importante – como poderia? -, mas nos últimos anos tenho-o recordado com amargura.
Já a ele volto. Antes, regresso ao dia em que, ladeado de ministros, anunciou ao país que não estava disposto a continuar. Ferido por uma vitória que não lhe garantira maioria absoluta e por uma derrota copiosa nas autárquicas, António Guterres surpreendeu quase todos e condenou-se a si próprio ao deserto de que tanto falava aos amigos. Passaram já quase dez anos e ainda hoje é citado pelo seu apelo à clarificação como única maneira de Portugal não se afundar no pântano.
Tanto se disse sobre Guterres nesses anos – que era pouco corajoso, hesitante, inconsequente, medíocre. Tanto se disse naqueles primeiros meses, depois o tempo fez o que é suposto e os ataques suavizaram-se.
Atrevo-me a contar três pequenos episódios que, porventura, vieram à cabeça de Guterres na noite da sua resignação. Nenhum deles foi o motivo directo para desistir, mas qualquer um dos três fê-lo reflectir no que é verdadeiramente importante e realmente acessório.
A primeira história passou-se em Nova Iorque, numa reunião da Internacional Socialista, em plena sala da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Shimon Peres, após ter perdido as eleições e umas semanas depois da morte de Itzhak Rabin, fez uma intervenção onde confessou que Rabin só foi discursar no sítio onde haveria de morrer porque ele o convencera a isso. E que perdera as eleições por defender a paz quando sabia perfeitamente que o país desejava a guerra. Na sua opinião, não fazia qualquer sentido abdicar de uma questão de princípio para tentar ganhar. António Guterres, que recentemente fora empossado primeiro-ministro, ouviu numa das primeiras filas e a si próprio prometeu não defraudar as expectativas da mensagem de Peres.
A segunda foi um desabafo numa conversa, em Agosto de 1999, em São Bento. Falávamos sobre as funções de primeiro-ministro e Guterres confrontou-me com aquilo q eu para si era uma constatação. «Se quantificarmos o exercício das minhas funções, 80 por cento da vida de um primeiro-ministro é horrível de aturar. Gerir os conflitos das pessoas, os seus ciúmes e expectativas nem sempre correspondidas, gerir o peso da máquina administrativa, uma máquina que emperra e faz perder horas e horas e horas. A tudo isto acrescente-se a falta de privacidade da minha família, eu não posso ter uma vida parecida com a das outras pessoas».
A terceira é íntima e por isso não me alongo mais do que a conta. Tem a ver com a relação de António Guterres com Deus e a forma como reagiu à perda de Luísa, a sua primeira mulher. A doença foi uma verdadeira via-sacra, é público que realizou intervenções e esteve próxima da morte várias vezes. Fez um transplante hepático, extraiu o cólon e António várias vezes julgou que a hora de confortar os seus dois filhos tinha chegado. Só que Luísa melhorou e aparentemente só faltava resolver um último problema, o cirurgião chegou a dizer-lhes que face ao que ela já sofrera a operação não passava de um anticlímax. Nessa operação, quase de rotina, acabou por morrer. Que sentido para a vida e para Deus?, questionou.
Nenhum dos episódios explica o que quer que seja. Mas talvez a soma dos três possa fazer-nos encontrar uma explicação – grandiosidade de Peres quando comparados com objectivos rasteiros; procura de um sentido para uma vida cada dia com menos sentido e constatação do desperdício da larga maioria do seu tempo.
Tenho um sentimento de culpa em relação a Guterres. Ele anunciou ao país que não podia continuar e no Partido Socialista discutiu-se a sucessão. Vários nomes foram apontados e acabou por avançar Ferro Rodrigues. Como independente integrei a Comissão de Honra da sua candidatura às eleições legislativas.
Dei opiniões sem qualquer importância e participei num comício na antiga FIL. A sala estava cheia e eu fui um dos que discursaram. Exaltei as qualidades do candidato. Ao contrário de Guterres, Ferro era um homem de coragem, firme, consequente e que lutaria contra a mediocridade e por uma nova esquerda. As pessoas aplaudiram muito, eu abracei o candidato e voltei a sentar-me.
Inebriado de holofotes fiz o que critico nos outros. E não me importei de matar o carácter de António Guterres para reforçar o carácter do que acreditava na altura ser o melhor. Todos os dias vemos homens sem qualidades humilhar pessoas que não se podem ou querem defender. Uns fazem-no por motivos do grande poder e outros pela possibilidade de se sentarem à mesa dos poderosos num almoço ou noutro. Naquela tarde, disse tudo aquilo sem pensar nas consequências que as palavras teriam em mim.
Foram bastantes os aplausos. Proporcionais à dor que senti quando deles tive a verdadeira consciência."
Ficheiros secretos
Luís Osório







Terça-feira, 29 de Novembro de 2011


Francisco Assis

O deputado socialista Francisco Assis diz que as alterações introduzidas pelo no Orçamento são "mínimas", considerando que "poderia ter ido mais longe". Apesar das propostas de alteração, salienta que o PS não fica "prisioneiro" do documento.
"Não tenho dúvidas que o facto do PS ter apresentado propostas de alteração no Parlamento teve um papel determinante e condicionou fortemente o papel do PSD e do CDS mas isso não significa que o PS fique prisioneiro deste Orçamento do Estado", disse Francisco Assis aos jornalistas, à margem do Clube dos Pensadores em Gaia, quando questionado sobre as votações sobre o Orçamento do Estado para 2012 (OE2012) que decorreram, segunda-feira, no Parlamento.
Quando lhe foi perguntado se concordava com a opinião do secretário-geral do PS, António José Seguro - que afirmou que as alterações do Governo eram "minimalistas" - o ex-líder da bancada parlamentar respondeu que eram alterações mínimas "aquelas que foram acolhidas pelo governo", afirmando estar "convencido que o governo poderia ter ido mais longe e que teria sido desejável que tivesse ido mais longe".
"O governo poderia ter manifestado mais abertura em relação às propostas que o PS fez mas o que fica do ponto de vista do PS é uma posição muito clara de assunção da sua responsabilidade num momento particularmente difícil da vida do país", sublinhou.
Assis, que nas últimas eleições concorreu contra Seguro para a liderança do PS, afirmou que o anúncio socialista da abstenção na votação final do OE2012 foi a "posição correcta", uma vez que "seria muito mau sinal que o principal partido da oposição votasse contra o Orçamento".
"O PS deixou claras as suas divergências, que se fossemos nós a governar teríamos hoje, nalgumas áreas, outras prioridades, sem pormos em causa a necessidade de levar a cabo políticas difíceis, de austeridade", garantiu, deixando bem clara a ideia que Seguro tem vindo a defender de que "este não é o orçamento do PS" mas sim do governo e da maioria de Direita.
O deputado disse ainda que seria "desejável que os grupos parlamentares que apoiam o governo na Assembleia da República produzissem outro tipo de discurso mais sério e mais responsável porque resvalam demasiadas vezes" para "procurarem atacar indevidamente a maioria anterior considerando que todos os problemas com que o país se defronta resultam de erros de governação anterior, o que é manifestamente falso", na opinião de Assis.
"Tem que haver um esforço de afirmação das nossas preocupações a nível europeu e eu aí acho que o Governo tem falhado um pouco e devia articular-se mais com outros governos europeus no sentido de fazer prevalecer o seu próprio ponto de vista. (...) Os interesses de Portugal não são sempre os interesses da Alemanha ou da França", condenou.
Nas votações de especialidade do Orçamento, na segunda-feira, o PS absteve-se na proposta da maioria de introduzir uma modelação dos cortes entre os 600 e os 1100 euros, tendo votado contra a proposta de cortar integralmente os subsídios de férias e de natal a partir dos 1100 euros mensais.

in JN

Deve ser por estas, e por outras, que alguns "apoiantes" de Francisco Assis, já há muito que não lhe passam a minima... Para mim, está cada vez mais claro que o apoio de muita gente a essa candidatura, foi circunstancial. Apenas serviria para ir aquecendo o lugar para outros, cujo momento para avançar não consideraram oportuno. Continuo a considerar o Francisco Assis.
CA






 


Todos os dias vemos homens sem qualidades humilhar pessoas que não se podem ou querem defender. Uns fazem-no por motivos do grande poder e outros pela possibilidade de se sentarem à mesa dos poderosos num almoço ou noutro.

Algumas vezes ouviu Jaime Gama dizer que os políticos são os únicos que têm a derrota como destino inevitável. Uma ou outra vez ripostou. Conhecia vários exemplos de políticos que se souberam retirar a tempo e não passaram por tal angústia, mas com o tempo a frase de Gama acumulou novos sentidos....
Um homem de bom gosto aprecia mais os vencidos da vida do que os vencedores – mais uma questão poética do que semântica, reconheço. Ainda assim consegue recordar um personagem literário sem a sombra da derrota ou da iniquidade? Ninguém me ocorre. Não vem a propósito da história que lhe quero contar; mas já que navegamos por entre vencedores e sentidos, a opinião que mais sentido fez em mim foi a de José Miguel Júdice. Qualquer coisa como isto: uma pessoa pode perder toda a vida, mas a soma das suas derrotas pode significar uma grande vitória no fim.
Há umas linhas atrás falava-lhe de António Guterres. Poucas vezes ripostou máximas de Gama ou do seu grande amigo Salgado Zenha. As frases de efeito não existem para ser desmascaradas e Guterres também as tinha e gostava de as utilizar no momento certo. Uma das suas preferidas: a travessia do deserto só é possível se a pessoa estiver disposta a passar no deserto toda a vida.
Tenho um sentimento de culpa em relação a Guterres. Não é um episódio importante – como poderia? -, mas nos últimos anos tenho-o recordado com amargura.
Já a ele volto. Antes, regresso ao dia em que, ladeado de ministros, anunciou ao país que não estava disposto a continuar. Ferido por uma vitória que não lhe garantira maioria absoluta e por uma derrota copiosa nas autárquicas, António Guterres surpreendeu quase todos e condenou-se a si próprio ao deserto de que tanto falava aos amigos. Passaram já quase dez anos e ainda hoje é citado pelo seu apelo à clarificação como única maneira de Portugal não se afundar no pântano.
Tanto se disse sobre Guterres nesses anos – que era pouco corajoso, hesitante, inconsequente, medíocre. Tanto se disse naqueles primeiros meses, depois o tempo fez o que é suposto e os ataques suavizaram-se.
Atrevo-me a contar três pequenos episódios que, porventura, vieram à cabeça de Guterres na noite da sua resignação. Nenhum deles foi o motivo directo para desistir, mas qualquer um dos três fê-lo reflectir no que é verdadeiramente importante e realmente acessório.
A primeira história passou-se em Nova Iorque, numa reunião da Internacional Socialista, em plena sala da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Shimon Peres, após ter perdido as eleições e umas semanas depois da morte de Itzhak Rabin, fez uma intervenção onde confessou que Rabin só foi discursar no sítio onde haveria de morrer porque ele o convencera a isso. E que perdera as eleições por defender a paz quando sabia perfeitamente que o país desejava a guerra. Na sua opinião, não fazia qualquer sentido abdicar de uma questão de princípio para tentar ganhar. António Guterres, que recentemente fora empossado primeiro-ministro, ouviu numa das primeiras filas e a si próprio prometeu não defraudar as expectativas da mensagem de Peres.
A segunda foi um desabafo numa conversa, em Agosto de 1999, em São Bento. Falávamos sobre as funções de primeiro-ministro e Guterres confrontou-me com aquilo que para si era uma constatação. «Se quantificarmos o exercício das minhas funções, 80 por cento da vida de um primeiro-ministro é horrível de aturar. Gerir os conflitos das pessoas, os seus ciúmes e expectativas nem sempre correspondidas, gerir o peso da máquina administrativa, uma máquina que emperra e faz perder horas e horas e horas. A tudo isto acrescente-se a falta de privacidade da minha família, eu não posso ter uma vida parecida com a das outras pessoas».
A terceira é íntima e por isso não me alongo mais do que a conta. Tem a ver com a relação de António Guterres com Deus e a forma como reagiu à perda de Luísa, a sua primeira mulher. A doença foi uma verdadeira via-sacra, é público que realizou intervenções e esteve próxima da morte várias vezes. Fez um transplante hepático, extraiu o cólon e António várias vezes julgou que a hora de confortar os seus dois filhos tinha chegado. Só que Luísa melhorou e aparentemente só faltava resolver um último problema, o cirurgião chegou a dizer-lhes que face ao que ela já sofrera a operação não passava de um anticlímax. Nessa operação, quase de rotina, acabou por morrer. Que sentido para a vida e para Deus?, questionou.
Nenhum dos episódios explica o que quer que seja. Mas talvez a soma dos três possa fazer-nos encontrar uma explicação – grandiosidade de Peres quando comparados com objectivos rasteiros; procura de um sentido para uma vida cada dia com menos sentido e constatação do desperdício da larga maioria do seu tempo.
Tenho um sentimento de culpa em relação a Guterres. Ele anunciou ao país que não podia continuar e no Partido Socialista discutiu-se a sucessão. Vários nomes foram apontados e acabou por avançar Ferro Rodrigues. Como independente integrei a Comissão de Honra da sua candidatura às eleições legislativas.
Dei opiniões sem qualquer importância e participei num comício na antiga FIL. A sala estava cheia e eu fui um dos que discursaram. Exaltei as qualidades do candidato. Ao contrário de Guterres, Ferro era um homem de coragem, firme, consequente e que lutaria contra a mediocridade e por uma nova esquerda. As pessoas aplaudiram muito, eu abracei o candidato e voltei a sentar-me.
Inebriado de holofotes fiz o que critico nos outros. E não me importei de matar o carácter de António Guterres para reforçar o carácter do que acreditava na altura ser o melhor. Todos os dias vemos homens sem qualidades humilhar pessoas que não se podem ou querem defender. Uns fazem-no por motivos do grande poder e outros pela possibilidade de se sentarem à mesa dos poderosos num almoço ou noutro. Naquela tarde, disse tudo aquilo sem pensar nas consequências que as palavras teriam em mim.
Foram bastantes os aplausos. Proporcionais à dor que senti quando deles tive a verdadeira consciência."

Ficheiros secretos
Luís Osório

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