02 fevereiro 2009

ACREDITAR NA JUSTIÇA...

QUE NÃO PODE CONSENTIR QUE A DESCREDIBILIZEM

Os jornais questionam, a justiça julga, e sempre os jornais hão-de perguntar mais e mais depressa do que a Justiça consegue avançar. Mas um jornalista não é um polícia e a justiça é feita pelos tribunais
As notícias sobre o alegado envolvimento do primeiro-ministro em actos corruptos sobrepuseram-se, esta semana, às relacionadas com a crise, conquanto o desemprego não pare de crescer e diariamente haja notícias de encerramentos e paragens de produção, num crescendo que a todos nos faz temer que 2009 seja ainda pior do que o anunciado.
Com o comunicado da Procuradoria-Geral da República e as múltiplas explicações da procuradora Cândida Almeida seria de esperar que as notícias envolvendo José Sócrates abrandassem. Entendamo-nos: o papel da Imprensa em casos como estes é questionar, questionar à exaustão. O que a Imprensa não pode é transformar suspeitas em certezas nem pode nunca deixar que o leitor embale por uma peça jornalística para chegar ao fim com a convicção de que a culpa está formada. Os jornais questionam, a Justiça julga, e sempre os jornais hão-de perguntar mais e mais depressa do que a Justiça consegue avançar, porque um e outro têm velocidades diferentes. O que não é desejável é que se deixe criar a convicção de que é tudo uma questão de tempo, ou seja, de que a justiça há-de chegar, ainda que lentamente, às conclusões que os jornais vão adiantando. Porque um jornalista não é um polícia e a verdadeira justiça - a única - é feita pelos tribunais. E é preciso que os leitores saibam que sob a capa de investigação lhe são muitas vezes presentes coisas distintas: verdadeiros trabalhos de investigação em que o jornalista foi perguntando, fazendo caminho, juntando respostas e indícios e outros trabalhos que mais não são do que a pública exposição de documentos, aparentemente comprometedores, que terceiros fizeram chegar às mãos de um jornalista que ao publicá-los serve interesses de outros, não poucas vezes cedendo-lhes o controlo da situação. Infelizmente, o jornalismo tem muitos destes justiceiros, prontos a saltar para a fama por terem tramado um político.
E, como também já se disse, há muita gente a querer tramar José Sócrates. Portugal tem um primeiro--ministro que ousou enfrentar interesses instalados e lóbis diversos. Por razões que lhe escapam, viu os seus opositores entrar em processos de autodestruição, razão que há bem poucos meses era suficiente para deixar instalada a possibilidade real de o PS vir a obter nova maioria absoluta para os próximos quatro anos. Assim se explica, do lado do primeiro-ministro, a tese da cabala, da campanha negra. E, convenhamos, a argumentação tem possibilidades de fazer caminho, pois, ainda por cima, este mesmo José Sócrates já sofreu campanhas demolidoras, uma dando-o a viver com um conhecido actor, outra questionando o seu curso de engenharia, outra, há quatro anos, com este mesmo caso Freeport.
Aqui chegados, é bem natural que a cada um de nós se coloque a questão: em quem acreditar? A resposta é simples: na Justiça. E, até agora, a Justiça nada encontrou. Sobra por isso a questão política. Tem José Sócrates condições para continuar? Para quem acredita na Justiça, a resposta é também simples: tem de ter. Tem de aguentar os embates, por mais injustos e irracionais que possam parecer, e tem de estar disponível para responder tim-tim-por tim-tim a tudo o que vier a ser dito contra ele.
Uma questão mais: este caso Freeport esteve silencioso enquanto andou em mãos inglesas. Quando eles dirigiram perguntas à Justiça portuguesa , lá se foi o segredo de justiça. O senhor procurador e outros agentes da Justiça, bem como muitos dirigentes políticos e todos quantos consideram que os jornalistas violam o segredo de justiça deveriam atentar neste caso. Quem terá, desta vez, violado o segredo?
José Leite Pereira –
Jornal de Notícias

Sem comentários: