O ELOGIO DO MEDO
Numa entrevista recente, concedida à Antena 1, o filósofo José Gil alertava para o que considerava ser o "regresso do medo", dando como exemplo o alastramento das atitudes de egoísmo nos locais de trabalho, que só se explicaria pela fragmentação de uma sociedade crescentemente atomizada pelo medo. Concordo com a descrição dos sintomas, mas discordo do diagnóstico de José Gil. Prefiro seguir o grande Thomas Hobbes, que na sua clássica obra, Do Cidadão (1642), chamava a atenção para a dimensão política do medo: "[...] a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não consistiu na boa vontade mútua de todos os homens, mas no medo recíproco que tinham uns pelos outros." Só o medo nos permite enfrentar a fragilidade da condição humana, mortais partilhando efemeramente o mundo com os nossos semelhantes. O medo combate a desmesura, estimula a inteligência, promove o raciocínio estratégico, incentiva a disciplina, ajuda- -nos a conhecer os nossos limites, e a respeitar os limites dos outros.
Se José Gil aceitar trocar "medo" por "pânico", a sinistra força que paralisa a vontade, então estaremos integralmente de acordo. Depois de quase duas décadas de euforia - a forma extrema da ausência da dimensão política do medo - a sociedade portuguesa entra agora numa incerta e perigosa onda de pânico, onde cada um procura o seu nicho de salvação. Nesta paisagem sombria, só poderemos saudar o regresso do medo, como uma paixão que nos ajude à navegação nas águas agitadas do presente. Com medo, teremos políticas públicas mais duradouras e escolhas pessoais mais sensatas. Aliás, só quem experimenta o medo consegue desenvolver a virtude fundamental que tem faltado à política portuguesa: a coragem. Só a coragem, aliada à lucidez, consegue mudar o mundo para melhor. D.N.
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