17 fevereiro 2011

B.E. - UM PARTIDO NORMAL?

Divisões internas sobre o exercício da liderança do partido, opiniões contraditórias acerca do apoio ao candidato presidencial Manuel Alegre e da apresentação de uma moção de censura, e saídas de membros fundadores. A última semana e meia pode ter ajudado a marcar uma mudança na imagem para o exterior do Bloco de Esquerda, que sempre se pretendeu assumir como um movimento com uma organização e funcionamento diferentes dos partidos tradicionais.
"O BE está a transformar-se num partido igual aos outros; é normal que viva períodos de contestação interna", confirma o politólogo António Costa Pinto, mas "é natural que o BE se normalize enquanto partido político. O CDS, por exemplo, também já passou por diversas crises idênticas" - e isso não pôs em causa a sua existência.
Porquê esta comparação? "O Bloco tem algumas características sistémicas que o aproximam de um partido médio de direita": menor estabilidade eleitoral, maior fluidez de apoiantes e ter uma parte dos seus dirigentes que estão mais à esquerda do que o seu eleitorado, enumera o politólogo.
A mais recente polémica é a moção de censura que Francisco Louçã anunciou há uma semana no Parlamento. A iniciativa já foi criticada por nomes sonantes do partido como Daniel Oliveira e Rui Tavares (euro deputado in-dependente). A insatisfação agravou-se com o facto de a mesa nacional, reunida no dia 5, ter feito uma proposta idêntica que foi recusada, como contava ontem Gil Garcia, mas depois a comissão política tomou a decisão oposta três dias depois. Alguns elementos do Bloco contactados pelo PÚBLICO não quiseram falar.
Rui Tavares questionava ontem no PÚBLICO os critérios e para que serviria a moção de censura do BE e chegava à conclusão de que "não há ponta por onde se lhe pegue" - porque nada muda se a moção for, tal como está já definido, recusada; e se fosse aprovada iria virar o Governo ainda mais à direita.
Para o também euro deputado e fundador do BE Miguel Portas, a moção chega "no tempo certo e pela razão certa": pretende-se castigar as políticas do Governo para o emprego em debate na concertação social. Não derruba o Governo: "O objectivo é aumentar o isolamento do executivo e tentar travar as medidas como a redução da indemnização de saída dos trabalhadores ou a criação de um fundo para despedimentos". Posição defendida igualmente pela ex-deputada bloquista Joana Amaral Dias, para quem "este Governo merece censura" e o BE só está a "pôr em prática a oposição que há muito lhe vem fazendo".
"Passada a espuma das declarações e contra declarações, o cenário que teremos é uma esquerda que censura e uma direita que ampara o Governo", descreve Miguel Portas. E sairá o BE reforçado depois deste processo? "Dependerá de como correr o debate no dia 10 de Março - mas isso deve ser uma preocupação menor para o BE", acredita o euro deputado. Joana Amaral Dias acrescenta que o BE deve capitalizar, apresentando na mesma altura propostas e soluções de esquerda, exequíveis.
Críticas ao timing
Uma das críticas apontadas é o timing em que o anúncio foi feito: um mês antes de a moção ser apresentada. Legalmente, o Parlamento tem que a discutir até 48 horas depois da sua entrada na Assembleia. Como o Presidente da República toma posse no dia 9, este acaba por ser "o primeiro momento em que uma moção tem uma utilidade prática" em muitos meses.
Porém, Joana Amaral Dias aponta erros na forma como se conduziu o processo. "Francisco Louçã quis dar a ideia de que se tratou de uma espontaneidade parlamentar durante um duelo no plenário quando de espontâneo não tem nada. A que se soma o erro de não ter sido discutida na mesa nacional, e depois veio o líder parlamentar dizer que a moção também era contra as políticas do PSD", enumera. "Uma moção é contra o Governo, não contra a oposição", vinca.
Precipitação paga com a abstenção, já anunciada, do PSD e também do CDS. Joana Amaral Dias apelida a atitude da direita de "infantilidade": o CDS quis adiantar-se porque está "numa guerrilha com o PSD", e o PSD, sem se- quer conhecer o texto, já anunciou o voto. "Se o texto for altamente crítico e castigador para o PSD por ter coadjuvado o Governo, o partido vai abster-se, como já disse que fará, em vez de votar contra?", questiona. Acredita, por isso, que "o PSD não quer derrubar o Governo. É muito oportunista. Vai esperar uma oportunidade em que o país esteja menos esquelético e calamitoso para ficar com o poder na mão".

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