15 março 2009

BALANÇO DE QUATRO ANOS DE GOVERNAÇÃO


QUATRO ANOS
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Excepção feita à crítica às grandes obras públicas com que José Sócrates espera disfarçar a crise e o desemprego e deixar marca na geografia e na despesa de Portugal, não há nada mais, no balanço feito por Manuela Ferreira Leite aos quatro anos de Governo socialista, que eu subscreva. Não é verdade que tenha sido a governação financeira dos três primeiros anos a razão da crise hoje vivida. É redondamente falso: foi a política de contenção do défice público (com crescimento económico reduzido, mas, apesar de tudo, positivo), que permitiu que o país não fosse apanhado de calças na mão, quando toda a economia mundial implodiu, arrastada pelo estouro do sector financeiro e imobiliário americano. Esses três anos dedicados a pôr um travão ao grande deboche financeiro dos Governos Durão Barroso e Santana Lopes (de que ela fez parte, como ministra das Finanças) é o que hoje consente ao Estado ainda ter alguma capacidade de intervenção contra a crise e de endividamento externo.

Também não é verdade que o Governo de José Sócrates tenha adoptado uma política de “conflito e humilhação” com largos sectores do funcionalismo público, como professores, médicos, juízes, polícias, militares. Pelo contrário: o conflito e o papel de vítimas humilhadas foi a atitude adoptada por todos os sectores corporativos que se sentiram pela primeira vez ameaçados por um Governo que finalmente ousou desafiar privilégios adquiridos sem justificação. É certo que muitas vezes o Governo se precipitou na ânsia de fazer rapidamente reformas que esperavam desde o salazarismo e o PREC a oportunidade de serem feitas (ainda há dias a Comissão Europeia chamava a atenção para a morosidade dessas reformas), e que outras vezes lhe faltou humanamente a paciência para tentar convencer quem supostamente serve o Estado não tem de se servir primeiro a si próprio. Manuela Ferreira Leite (que já foi ministra da Educação) deve saber que o Governo tem toda, toda a razão no conflito com os professores; deve saber que as reformas do ex-ministro Correia de Campos na Saúde revelavam coragem e reflexão adequada e que acabaram derrotadas pela demagogia local e corporativa; deve saber que a reforma do financiamento da Segurança Social (que Cavaco Silva e depois Guterres tinham jurado ter assegurado até ao século XXII) salvou o sistema de uma bancarrota iminente, tornada inevitável pela simples evolução demográfica; deve saber que, se alguma coisa falhou, na reforma da legislação laboral, foi a timidez motivada pelo medo de enfrentar a contestação generalizada dos sindicatos, não se ousando ainda quebrar a funesta aliança entre a lei e a jurisprudência, num sistema que protege os trabalhadores maus, afasta o emprego jovem e asfixia as pequenas e médias empresas. Assim como deve saber, inversamente, que foi a total ausência de ousadia em reformar a Justiça de alto a baixo (excepto uma nova e mal amanhada legislação penal) que contribuiu para que a Justiça seja a coisa mais injusta que existe em Portugal e o ministro Alberto Costa a figura mais decorativa deste Governo. Mas, curiosamente ou não, é nas áreas onde o Governo tem sido pior que o PSD mais tem estado ausente nas críticas: na política para a comunicação social (a inacreditável e até suspeita abertura a um 5º canal de televisão, a suposta lei contra as ameaças à liberdade de imprensa, agora vetada por Cavaco Silva), protagonizada pelo espalha-brasas do ministro Santos Silva; a política externa a que preside o sempre popular MNE (neste caso, Luís Amado, que só passará à história pelo insustentável reconhecimento do Kosovo); a política de Segurança Interna, onde um ministro de ocasião flutua sem rumo; ou a política predadora do Ambiente, encabeçada por um ministro verbo-de-encher. Sobre tudo isto, o PSD não tem política alternativa, não tem críticas a fazer, acha, como Sócrates, que não tem grande importância porque não é aí que se decidem votos.

Os quatro anos de Governo Sócrates têm, para mim, dois períodos claramente distintos: o primeiro período de três anos, em que José Sócrates fez planos para arrumar as contas públicas e ensaiar um mínimo de reformas no aparelho de Estado, de modo a que, tendo servido à partida a parte má — como mandam os livros — poder depois viver um ano de descompressão e benesses que lhe garantiriam tranquilamente uma maioria absoluta. E tão mais tranquila, quanto a verdadeira oposição só existiu nas franjas da direita (PP) e da esquerda (BE): o PCP manteve-se no eterno sono leninista, não acreditando já em poder tomar o poder a partir da rua, mas acreditando ainda que a rua podia impedir qualquer Governo de governar, mesmo um de maioria absoluta; e o PSD, entre Marques Mendes, Filipe Menezes, Ferreira Leite e o fantasma de Marcelo Rebelo de Sousa, viveu na deliquescência fútil em que sempre mergulha longe do poder. Se as eleições tivessem sido há um ano, e ainda no rescaldo do grande êxito pessoal que foi a presidência europeia e a cimeira de Lisboa, José Sócrates teria ganho com perto de 50% dos votos.

A partir daí, começaram os sarilhos: as manifestações de professores, a Universidade Independente, os projectos da Guarda do jovem engenheiro Sócrates, a impaciência de Manuel Alegre com o ‘seu’ milhão de votos. Mas para tudo isso ele chegava de carrinho: só uma tempestade poderia fazer alterar radicalmente as coisas. Não seguramente a oposição — fosse a do Parlamento, a interna ou a da rua. E aconteceu a tempestade. Desencadeada lá longe, graças à irresponsabilidade do sr. Greenspan, à cobiça insane dos Madoff dos EUA e à imbecilidade decisiva do sr. Bush. E graças à irracionalidade e amoralidade de um sistema financeiro especulativo que se apoderou da economia — e que, internamente, Sócrates tanto consentiu e estimulou também.
Miguel Sousa Tavares (ver resto AQUI)

1 comentário:

Anónimo disse...

Ferreira Leite, acerca das reformas e as reacções dos visados, sabe isso tudo e resta-lhe tempo. Reconheceu-o em devido tempo quando outros ocupavam as suas funções Só que na nesta democracia "muito nossa" a mentirola não penaliza e ainda colhe dividendos. Quem não mente não mama. Aliás este é o País da Mama