SISTEMAS DE SAÚDE
EUA - Milhões de americanos com seguro de saúde
"Se partir uma perna vou à falência ou tenho de vender a casa." Este argumento repete-se vezes sem conta entre os americanos não cobertos por um seguro de saúde. E, acredite, eles não estão a exagerar. No UC Davis Medical Center, um hospital privado da Califórnia, o banal tratamento a uma perna partida chega facilmente aos 11 mil dólares (mais de 8 mil euros). Mesmo sendo um dos países da OCDE que mais gastam em saúde, 15,2% do PIB, os Estados Unidos têm um sistema que, também por ter excluído mais de 46 milhões de pessoas, falha por completo os objectivos de um serviço nacional de saúde-
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Jorge Simões, professor de Economia da Saúde da Universidade de Aveiro, antevê o efeito de algumas alterações introduzidas por Obama no sistema de saúde americano. "Pela primeira vez, milhões de americanos que não têm cobertura de cuidados de saúde passarão a ter um seguro. A universalidade - um dado adquirido nos sistemas europeus do pós-guerra - não é nada consensual nos EUA, um país que valoriza a iniciativa individual." Assim se justifica a polémica em torno de uma reforma que "prevê um maior envolvimento do Estado no pagamento das facturas dos cuidados de saúde, já que 95% dos cidadãos passarão a ter seguro", explica o professor. Menos comentada, mas fundamental, é a resolução do problema de milhões de norte-americanos que têm seguros limitados. "Estas pessoas, que não são apanhadas pelas estatísticas, têm seguros que cobrem determinadas patologias mas não cobrem transplantes ou doenças crónicas." A universalidade - e consequente aumento da presença do Estado - é a marca de um sistema reformado. "Representa um passo em frente na prestação de cuidados de saúde", constata. Aguardemos a implementação do "sistema que Obama conseguiu, finalmente, aprovar e que procurará adoptar o experimentado com sucesso regime de assistencia europeu.
Reino Unido - Um SNS tão sagrado como a religião
A propósito da discussão da reforma da saúde nos Estados Unidos, os opositores do projecto (principalmente republicanos) não hesitaram em acenar com o fantasma do National Health System (sistema nacional de saúde inglês). Porquê? Para mostrarem o lado “demoníaco” ou “orwelliano” da reforma de Obama. “Tal como em Portugal, o sistema nacional de saúde inglês é muito criticado pelas listas de espera e apresenta graus de satisfação dos cidadãos relativamente baixos”, afirma Jorge Simões. À conta destes problemas, e a poucos meses de eleições gerais, os dois grandes partidos britânicos voltaram a pôr o NHS no centro do debate político. Mas, como um dia escreveu um antigo chanceler do Tesouro, o conservador Nigel Lawson, “o NHS é a coisa mais próxima que os ingleses têm de uma religião”. “Apesar das críticas, é um sistema que nenhum partido ou nenhum cidadão pretende mudar de forma substancial”, atesta o especialista da Universidade de Aveiro. Mas afinal qual é o modelo britânico? “É um modelo que assenta num serviço nacional de saúde no qual o Estado assume um papel predominante: quer no financiamento e pagamento dos cuidados de saúde, quer na prestação dos mesmos através de uma rede de centros e hospitais.” De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 8,4% do produto interno bruto do Reino Unido estão alocados a despesas de saúde. O financiamento, esse, é obtido através de impostos sobre o rendimento. Soa a familiar? “O modelo britânico influenciou vários serviços nacionais de saúde na Europa, incluindo o português”, conclui Jorge Simões.
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Portugal - O país da OCDE que tem feito mais experiências
Inscrito na Constituição, o ADN do sistema português garante cuidados universais, gerais e tendencialmente gratuitos. Inspirado no modelo inglês, confere ao Estado a responsabilidade de financiar e prestar os cuidados de que a população necessita. Trinta anos depois da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), as estatísticas mostram que foram conseguidos ganhos em vários indicadores de saúde. Mas, tal como o modelo inglês que lhe serviu de inspiração, tem pontos fracos, sublinha Jorge Simões – “as listas de espera” e o elevado peso das despesas com saúde que saem directamente dos bolsos dos doentes (23% do total, metade dos quais em medicamentos). Nos últimos anos, no entanto, o SNS tem sido um verdadeiro “laboratório de experiências”, refere. “É o país da OCDE onde mais alterações têm ocorrido. Não há nenhum aspecto que não tenha sido tocado por reformas: do modelo hospitalar aos cuidados de saúde primários, dos cuidados continuados à política do medicamento e à regulação.” Paralelamente, se a matriz continua a ser fortemente pública, a percentagem de portugueses com seguros privados tem aumentado, assim como as unidades privadas. Funcionam como complementares. Mas, do ponto de vista do financiamento, um português paga duplamente se tiver seguro (dupla cobertura). Num sistema em mutação, a discussão sobre se este modelo é economicamente sustentável foi ensaiada na última legislatura (Correia de Campos chegou a criar novas taxas moderadoras para mostrar aos portugueses que teriam de pagar mais no futuro), mas rapidamente abandonada politicamente.
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