13 dezembro 2010

MÁRIO SOARES, O GRANDE!...


O ex-Presidente da República defende que Sócrates e Zapatero devem juntar-se e erguer a voz contra Merkel e Sarkozy

Estamos a viver agora uma crise gravíssima. Há alguma maneira de não ficarmos derrotistas?
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Há. Há sempre. Já atravessámos muitas crises. Vencemo-las sempre, melhor ou pior. Talvez esta seja a mais grave, é certo. Lembro-me daquelas que, como primeiro-ministro, atravessei, quando cá veio o Fundo Monetário Internacional, duas vezes, em 1978 e 1983-85. Foram duas crises muito difíceis. Ultrapassámo-las. Conseguimos, simplesmente, vencê-las. Tínhamos mais armas, como é sabido. Tínhamos uma moeda própria - o escudo - podíamos desvalorizá-lo. Contudo, desvalorizando a moeda, destruíamos a riqueza das pessoas. Agora não podemos fazer isso. O que, para quem nos governa, é pior. Mas temos outros recursos. Não estamos isolados. E esta é uma crise que veio da fora. Foi importada. Agora, temos uma crise que é essencialmente europeia. O que mais me preocupa, a mim, não é que Portugal tenha um grande défice e grandes endividamentos públicos e privados. Os défices vão e vêm. O problema mais grave consiste em o Estado ficar sem meios para pagar às pessoas. O desemprego, o aumento da pobreza, as desigualdades sociais, cairmos em recessão. A União Europeia não tem um plano concertado para fazer face à crise. E os actuais dirigentes europeus, na sua maioria, resvalam para o nacionalismo e esquecem o projecto europeu, a solidariedade e a unidade entre os Estados-membros, como ensinaram os grandes Pais Fundadores.
Está a falar da senhora Merkel e do senhor Sarkozy...


A chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy olham só para a moeda única - o euro - e não para o risco da recessão que aí vem. Quando ultrapassarmos a crise da moeda, sem valer às pessoas, aos desempregados, aos imigrantes, aos mais desfavorecidos... Agora encontraram-se para preparar a reunião que vão ter, que se espera seja pior do que aquilo que disse o presidente do Banco Central Europeu, que ajudou a moderar os apetites gananciosos dos mercados especulativos. Merkel e Sarkozy pensam apenas nos seus Estados e não no projecto europeu. É um erro colossal que lhes vai - e nos vai, a nós - sair muito caro. Portugal hoje não está isolado. Teve propostas muito interessantes, da China, que se manifestou disposta a comprar uma parte da nossa dívida, o pequeno Timor (que tem petróleo) e também a generosa proposta do Presidente Lula, que já foi corroborada pela nova Presidente Dilma. Isto é: fazer um empréstimo a Portugal, exactamente no mesmo sentido. São sinais importantíssimos, que valem bem mais do que os dislates das empresas de rating ou os comentários dos economicistas que temem os mercados desregulados, e só pensam no lucro pelo lucro.
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E isso vai evitar que tenhamos que recorrer ao FMI, como estamos a ser pressionados a fazer?
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Não estamos a ser tão pressionados como dizem. Os jornais dizem isso, mas acho que não estamos a ser tão pressionados assim. O FMI quando quer pressionar vem cá e ainda não veio. Por outro lado, o presidente Dominique Strauss-Khan, até já disse que Portugal não estava numa situação tão difícil quanto lhe era atribuída... Acho que, quem vive das especulações, gosta que se diga isso, para ver se pega. Mas ainda não pegou. Também se o Fundo Monetário Internacional vier um dia a Portugal não é morte de ninguém. Haverá mais medidas a tomar - obviamente duras e impopulares - se as que estão anunciadas não forem aplicadas. De qualquer forma o problema irá resolver-se, se a moeda única não entrar em colapso e a União não se desintegrar, como espero... Portugal - e a Espanha, se possível em conjunto - devem fazer ouvir a sua voz na União. A Península Ibérica, no seu conjunto - com os falantes lusos e hispânicos - representam mais de um décimo da Humanidade. Não podemos deixar-nos dominar por uma senhora Merkel ou por um senhor Sarkozy, que estão em matéria europeia a perder o norte, como escreveram Helmut Schmidt e Jacques Delors, em entrevistas recentes
MÁRIO SOARES ao Jornal i 

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