ESCUTAS - 3 -A ÁREA MAIS DIFÍCIL
A área mais difícil do jornalismo não é a economia nem a ciência: é a justiça, em que nada parece matemático ou científico. O modelo em que assenta o sistema jurídico português é ainda mais obscuro e complicado: é uma ciência oculta, um buraco negro feito de ecos e silêncios, ajustes de contas e incompetências. Ninguém o entende verdadeiramente, ninguém sabe bem o que se passa lá dentro, apesar de não faltarem especialistas reputados, muitas pessoas sérias e de o assunto ser tão delicado como uma operação ao coração. Quem tem o azar de cair nas mãos de um mau jornalista, de um mau juiz (ou magistrado do Ministério Público), ou ainda de um mau médico, pode ficar com a reputação ou a vida destruídas em poucas linhas, em duas palavras ou em breves segundos na sala de operações.
A história que envolve a escuta da conversa entre o primeiro-ministro e Armando Vara é apenas mais um sinal do vírus que está a envenenar o país. O primeiro-ministro foi ouvido a dizer umas estranhas frases ao amigo Armando Vara, administrador do BCP. Como primeiro-ministro que é - e sendo verdadeiras as frases escolhidas para divulgação - deveria ter sido mais prudente e poupado a nação a conversas daquele calibre. Porquê? Primeiro, por ser o líder do governo, o que envolve responsabilidades e deveres especiais; depois, por ser o interlocutor quem é - o reincidente e poderoso Armando Vara; finalmente, porque Portugal é o país que inventou a via verde das escutas. Que grande invenção lusitana: escuta-se a torto a direito. Em vez de serem conduzidas com a paciência da pesca à linha - com respeito pelo frágil ecossistema de direitos, liberdades e garantias -, as investigações são feitas por arrastão: atira-se a malha fina e tudo o que vem à rede é peixe. Às vezes é peixe graúdo, outras vezes é peixe sem importância, e esse raramente chega às páginas dos jornais, apesar de a destruição ser igualmente fatal.
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