14 novembro 2011

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  • Vasco Lourenço
    Vasco Lourenço
    Rodrigo Cabrita
Vasco Lourenço recebeu o i na sua sala na Associação 25 de Abril, Tem aqui três cravos na sua sala. O que é que eles ainda hoje simbolizam para si e para o país?
É um dos símbolos principais, que gosto de usar em momentos importantes. É uma esperança de liberdade permanente, de paz, de justiça social e de democracia.
As chamadas conquistas de Abril estão mais do que nunca em causa?
Com certeza que estão. Nós hoje estamos, e já não é segredo para ninguém, a assistir a uma guerra sem qualquer contemplação contra aquilo que foram as melhorias que o país teve com o 25 de Abril. Está a tentar-se destruir tudo aquilo que se conseguiu. Está aí o capital, que é insaciável. Os neoliberais estão a tentar destruir isto por completo. Hibernaram, mas nunca se acomodaram à situação democrática de uma sociedade mais justa.
A maioria dos economistas diz que essas conquistas não são sustentáveis. Ou seja, não há dinheiro para continuar a pagar reformas tal como elas existem, os subsídios de desemprego...
Então para que serve o Estado? Há dinheiro para isso. O dinheiro não falta. Está é locais errados.
Onde é que está?
O dinheiro existe, está a fugir para offshores, as empresas principais pagam impostos fora do país e grande parte desses economistas são papagaios do sistema. Eu se fosse economista e tivesse participado na vida política, depois da hecatombe a que assistimos em relação àquilo que eles defendiam, pintava a cara de negro, como se dizia na minha terra. A grande maioria deles – dos fazedores de opinião – considera que só eles é que têm direito a ter opinião. Um dos grandes comentadores nacionais até disse que eu tinha era de estar calado.
Marcelo Rebelo de Sousa?
Você é que disse o nome, é exactamente esse. Disse que tinha muita consideração por mim, mas que eu tinha era de estar calado e não intervir. Eu lembro-me daquela fadista que dizia “cantarei até que a voz me doa”. Eu falarei até que a voz me doa. Não admito a ninguém – nem ao Marcelo Rebelo de Sousa, por quem eu não tenho consideração nenhuma, nem pelo seu passado, nem pelo seu presente, apesar de ele dizer que tem muita consideração por mim – que me diga “já fizeste o que tens a fazer”. Eu sou cidadão de corpo inteiro e tenho o direito de intervir. Assim como o outro vem dizer...
Quem?
O Sousa Tavares. Ele diz: “haja alguém que lhe explique [a Vasco Lourenço] que estamos em democracia”. Mas é a mim que ele vem explicar que estamos em democracia? O despautério destes fulanos, que estão convencidos que sabem tudo... Nós assistimos à manipulação permanente das ideias feitas por esses indivíduos.
O que o leva a não ter consideração pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa?
Não tenho e não lhe admito que ele me diga que tenho de me calar. Sou um cidadão empenhado, que participou num dos actos mais importantes da história do país. Tive essa sorte e continuo a pugnar para que isso se mantenha. Não aceito que me ponham mordaças.
Já lhe perguntaram muitas vezes se estaria disposto a fazer outra revolução?
Costumo dizer que uma geração que tenha a sorte de participar numa revolução já se pode dar por muito satisfeita, mas é evidente que muitas vezes olho para a situação e apetece-me fazer alguma coisa. Os dados são outros, nós teoricamente continuamos a viver em democracia, e quero continuar a viver em democracia. Mas a democracia tem regras, não é só votar de quatro em quatro anos.
Mas é inegável que vivemos em democracia.
Vivemos numa democracia formal. A democracia está doente há muito tempo. Os eleitos, de uma maneira geral, esquecem imediatamente os eleitores, rasgam as promessas que fizeram e conduziram à sua eleição e, por isso mesmo, na minha opinião perdem a legitimidade. Estou farto de ouvir dizer que este governo foi eleito há pouco tempo. É verdade, mas a legitimidade só a mantém se cumprir aquilo que disse que ia fazer. E o governo perdeu-a por completo quando rasgou as promessas que fez ao eleitorado. E portanto não é esta a democracia que eu quero e, a continuarmos assim, o ciclo da democracia está a encerrar-se no mundo.
E o que vem a seguir?
Não conheço nenhum sistema menos mau que o sistema democrático e tudo o que vier é pior. A democracia continua a ser o menos mau.
Está a dizer que a degradação da classe política neste regime democrático pode conduzir a uma ditadura?
É muito natural que possa caminhar nesse sentido. O problema é que o poder económico domina o poder político...
Essa foi a grande mudança desde o 25 de Abril? O facto de o poder económico ter conseguido sobrepor-se, em alguns casos, ao poder político?
Os políticos têm sido autênticos instrumentos do poder económico. Eu diria que, nos últimos 20 anos, isso se acentuou, e de que maneira!, mas não foi só em Portugal. Tínhamos grandes líderes e hoje não temos. Hoje temos a Merkozy [junção dos nomes de Merkel e de Sarkozy] e o Berlusconi. Por isso mesmo, não há saídas. Os grandes líderes desapareceram. Quem é que temos? Vê alguém com características de líder?
O nosso primeiro-ministro não tem características de líder?
De maneira nenhuma. Ele descredibilizou-se imediatamente. Como é que pode ter credibilidade se prometeu uma coisa e está a fazer outra? Não pode.
Mas não admite que, perante a situação em que o país está e perante a obrigatoriedade de cumprir um programa que foi assinado com a troika, são necessárias algumas destas medidas para controlar a despesa?
Já lhe disse: o dinheiro existe, está é mal distribuído. Como é possível ter uma sociedade relativamente justa quando a média do vencimento em Portugal é cerca de 40% a 60% do vencimento na Europa mas os quadros em Portugal ganham cerca de 20% a 30% mais que na Europa? Isto são situações aberrantes a absolutamente pornográficas.
É uma forma de esses quadros não saírem do país e irem ganhar mais lá para fora.
Fujam todos. Com os resultados a que levaram a economia podem fugir todos. Se lhes pagam melhor, vão lá para fora. Não fazem cá falta. Quem levou o país a esta situação não faz falta.
Quando é que entende que começou a situação em que o país se encontra actualmente?
Há muitos responsáveis, mas na minha opinião os problemas começam quando o actual Presidente da República chega a primeiro-ministro e permite, por exemplo, que os subsídios da Europa sejam utilizados para tudo menos para o bem de Portugal. Quando se recebem subsídios para destruir a agricultura ou para destruir as pescas os problemas começam a acentuar-se.
Embora essa altura tenha sido vivida com alguma euforia pelos portugueses, que deram a Cavaco Silva duas maiorias absolutas como primeiro-ministro e, mais tarde, duas como como Presidente da República.
São os males da democracia. Costumo dizer: não se queixem, vocês é que votaram. São os males da democracia. A democracia tem defeitos e um dos defeitos é a propaganda e a publicidade...



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