20 junho 2009

ANÁLISE DE JOÃO LOPES


POST DE JOÂO LOPES
1. No programa Negócios da Semana (SIC Notícias), Paulo Rangel considerava a entrevista com José Sócrates como uma espécie de "novas Conversas em Família", sinal daquilo que chamou "neo-marcelismo". Se avaliarmos a sugestão no plano da análise política, o mínimo que se pode dizer é que reflecte a desastrosa irresponsabilidade de quem favorece uma grosseira confusão de contextos e regimes. Como intervenção no espaço televisivo, comete o erro (certamente involuntário, não tenho dúvidas) de favorecer insinuações pouco agradáveis sobre os próprios canais que deram voz ao primeiro-ministro.

2. Pergunta-se, por isso: num país em que, por vezes, um "espirro" de um político é tratado como se fosse o enunciar de um programa quinquenal, porque é que ninguém diz nada sobre a monumental gaffe de Paulo Rangel? A resposta é simples: em termos televisivos, há uma conta-corrente dos políticos que impõe uma visão maniqueísta do seu comportamento — e, neste momento, Paulo Rangel está em alta, quer dizer, as coisas inteligentes e as coisas sem sentido que possa dizer serão recebidas com a mesma olímpica indiferença.

3. Quem está em baixa, como é óbvio, é José Sócrates. E de uma maneira que pouco ou nada tem a ver com o seu trabalho. Repare-se: a governação de Sócrates é, por certo, um manancial de temas que só pode suscitar diferenças e divergências — e é bom que possamos ter uma vida social e mediática em que os nossos governantes sejam objecto de um escrutínio sério e regular. Mas o que está a acontecer é de outra natureza: tem a ver com o facto de, em termos globais, a informação televisiva se ter passado a conceber, não como uma espectadora dos confrontos, mas como uma indutora de conflitos.

4. Num certo sentido, hoje em dia, a informação televisiva portuguesa é sempre de oposição — e é-o, repare-se, seja quem for que esteja no governo. Seria, por certo, criativo e estimulante que tívessemos uma informação em que o gosto da verdade (gosto complexo e muito exigente) não excluísse a paixão das causas. Mas não: as televisões só parecem seguras da sua existência se puderem, todos os dias, sacrificar alguém no seu altar de autoproclamada objectividade. E há muito que encontraram o intérprete ideal dos seus martírios: o primeiro-ministro.
JOÃO LOPES

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