16 junho 2009

OS SENHORES CABEÇUDOS


Estamos em face de um povo sem instru­ção, com os sentimentos mais grosseiros, ser­vindo nos seus quatro séculos de existência a uma completa exploração. Encontrando facilmente na cultura rotineira do solo os recursos de que carecem e uma emigração fácil no caso con­trário, nada os obriga a desenvolver a sua inteligência curta, e são, para o encobrir, excessivamente manhosos, condição que acusam no falar ronceiro, masti­gado, e respondendo sempre vagamente ao que se lhes pergunta. Sem dúvida, como por toda a parte, encontra-se inteligências notáveis nos nossos cavadores, mas é extremamente raro o camponês micaelense, e o camponês micaelense é es­sencialmente cabeçudo”.
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Texto copiado daqui, da autoria Arruda Furtado, um naturalista micaelense, radi­cado em Lisboa, aí pelos finais do século dezanove, que tratava desta forma os seus pobres conterrâneos para gáudio dos dandis de meia tigela, feitos parisienses, que se passeavam pela capital e execravam o povo humilde e miserável que povoava o país, desde as cercanias de Lisboa até ao lugar mais recôndito do território. O quadro descrito não era exclusivo de São Miguel. Estes documentos são interessantes para a gente de hoje perceber onde radicam as causas do nosso incipiente desenvolvimento mental, intelectual e económico. É que para além dos terratenentes, agiotas e padralhada associada, havia os "intelectuais" cabeçudos como este (de certeza com o nome colocado em tudo que é rua e avenida de São Miguel), que acusava o miserável povo de ser grosseiro e sem instrução!! Recordo-me que, em data mais recuada, no norte da Europa, um pai sujeitava-se a prisão se os filhos faltavam á escola obrigatória... Por ali nem os intelectuais cabeçudos fizeram carreira nem a Igreja Católica Apostólica Romana pontificou. Pormenor que justificará tudo.

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