17 agosto 2011

UM BOMBISTA POR CONTA PRÓPRIA

                                                                                                                                                                          
«Um pregador entrou-me casa dentro. Aquilo começou por ser um pedido de informação sobre oparadeiro de um vizinho, seguido de um educado convite para a espera pelo procurado se fazer ao fresco, na sombra do quintal onde passo férias. Degenerou, no entanto, num longo monólogo sobre o cataclismo para onde fatalmente se encaminha a humanidade.por Deus estão na origem da "degenerescência moral dos poderosos e dos governados". Só a bondade cristã pode desfazer o nó com que "o consumismo, a corrupção e a ganância" nos atam.
Seguiu-se a revelação: uma excursão a Israel fora um projecto de vida concretizado há pouco tempo, já perto dos magnificamente saudáveis 81 anos que esta visita inesperada ostenta. "Estive em todos os lugares onde Jesus Cristo esteve. Fui rebaptizado no rio Jordão. Chorei como uma criança agarrado à pedra onde O crucificaram", afiança, comovido. "Todos os domingos vou à missa e comungo. Sou assim."Depois foi um inesperado protesto anticlerical: Deus está em todas as culturas mas o seu nome é ultrajado pelas grandes organizações religiosas, "desde os fanáticos do terrorismo islâmico aos bispos pedófilos" do catolicismo. "Criminosos!", sintetiza, irritado.
A confiança do discursante, face ao meu silêncio condescendente, sorridente e monossilábico, cresce. Passa para a política e, num ápice, o caminho da tolerância divina é esquecido: "Todos os políticos são corruptos." Os governos de todo o mundo "trabalham para os interesses da alta finança, que está longe da economia real e não quer saber dos pobres". "Não é aceitável, não é aceitável", repete.
Vieram os aumentos do IVA: "Isto é um roubo! Os pobres, que não têm culpa, é que vão pagar a dívida monstruosa que estes senhores criaram. As gerações mais novas não foram habituadas a viver na miséria, como a minha foi. E ainda bem! Elas vão revoltar-se! Veja a Inglaterra..."
Já no fim da conversa, sai-lhe a solução final: "Isto só à bomba! Só à bomba!... Deus me perdoe."
Poderá o estimado leitor ou leitora ver algum sarcasmo na minha descrição. Engana-se. À minha frente estava alguém com larga experiência de vida, alguém que procurava ser bom, alguém com valores humanistas , alguém que cultivava o espírito e o corpo. Merecia ser ouvido e merecia que tentasse compreendê-lo.
A ironia, leitor, é outra: de pregador a bombista por conta própria, nos tempos explosivos que correm, vai apenas a faísca do percurso de um curto monólogo.» [
DN]
Por Pedro Tadeu.

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